quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Crônica (Os pescadores)


 

Espero que não acredite em caveira da morte... (acredita? não? Óia, óia).

Também não dê uma de modernoso, corajoso.

Por cautela não saia à noite, mas se sair, antes da meia-noite volte pra casa.

Eu ajo assim... (medo? Ará... acertou!).

Não se pode abusar, não é verdade?

Em todo caso, em razão do assunto, lembrei-me de um acontecido.

Naquele começo de noite de quarta-feira para quinta-feira da última semana do mês de fevereiro de um ano qualquer, dois amigos estão pescando.

Não se encontram muito distante da cidade, o que lhes possibilita visualizar suas luzes clareando o céu, assim como as estrelas iluminam as águas do açude.

Permanecem em silêncio, pois as traíras não demonstram vontade de abocanhar as minhocas transpassadas nos anzóis.

Chovera nos dias anteriores, mas naquela hora o clima está ameno.

Sentados cerca de nove metros um do outro, se é que se pode medir com tanta exatidão essa distância, mas é costume de anos deixarem esse espaço entre eles, estão atentos, olhos fixos na ponta da vara.

Nada.

- Falou comigo?

O outro não responde.

Nove segundos depois, a pergunta novamente:

- Falou comigo?

- Não – a resposta é lacônica.

Nove segundos depois, em pé na relva, segurando firme a vara, o argumento:

- Se não falou comigo como diz, então um fantasma falou comigo, pois alguém falou comigo, disso tenha certeza.

- Quieto – é a manifestação do amigo de pescaria.

Nove segundos depois.

- Falou comigo?

- Da mesma maneira que você diz que não falou comigo, eu digo que não falei contigo.

- Tá certo.

Nove segundos depois.

- Falou comigo?

- Não, não falei contigo. Disse e repito... Não, não falei contigo.

Resumindo. Se não fosse pelo espoucar ensurdecedor dos rojões na cidade, pegando-os de surpresa, os dois amigos atentos na pescaria, certamente teriam ouvido aquela voz lúgubre, soturna, saída do nada:

- Daqui nove dias eu passo para te buscar.

Verdade seja dita, sentiram uma friagem na espinha. Mas não deram muita importância.

Quanto à “rojãozeira”, tomaram conhecimento do motivo daquela festança toda somente no finalzinho da tarde seguinte, quando foram até a praça papear com a rapaziada.
 
(João Neto)

 

 

 

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