- Fato lamentável ontem lá na
Bolívia...
- É.
- Triste.
- É.
Os dois velhos amigos conversam na
calçada, esquina da praça em frente à igreja matriz da pequena e bucólica
cidade.
Atravessando a rua fica a sorveteria
mais frequentada pelos moradores.
Os dois amigos encontraram-se por acaso,
até em razão do horário, logo depois do almoço.
O assunto é o trágico acontecimento na
partida de futebol na noite anterior, onde um torcedor boliviano de 14 anos
fora vitimado mortalmente por disparos de rojões.
- O futebol não é mais como antigamente.
- É.
Numa das mesas da sorveteria encontra-se
uma proeminente figura local degustando uma taça de “Banana Split”.
Quinta-feira calorenta.
Em dado momento, quase sem querer, essa
figura proeminente percebe aqueles dois amigos conversando.
Não se sabe se em razão de sua
profissão, ou por estar (não ser) na cúpula política do município, ou por
curiosidade mesmo, fica a observá-los.
- Como pode acontecer isso, não é?
- É.
- Não pode ser coisa de Deus, não é?
- É.
A imponente figura proeminente não se
aguenta, deixando a guloseima consumida pela metade sobre a mesa, levantando,
despedindo-se das funcionárias, eleitoras, menos o caixa,
proprietário do estabelecimento, eleitor no município vizinho ao norte (sempre procurou ser bem
informada essa imponente figura proeminente). Atravessando a rua, aproxima-se
dos conversadores.
- É o fim dos tempos. Tá na Bíblia.
- É.
- E ainda dizem que o homem tem
solução...
A imponente figura proeminente achega-se
neste exato momento.
- Bom dia.
- Bom dia - responde o mais falante.
O outro retribui ao cumprimento com um movimento da cabeça.
- Calor – a imponente figura proeminente procura puxar assunto.
- Verdade, quente mesmo. Talvez a tarde
chova.
- É.
Ela continua:
- Certamente estarão atentos amanhã ao programa de rád...
– mas é interrompida.
- Amanhã? Programa? Atentos?
Antes que a imponente figura proeminente continue, o senhor
monossilábico fala:
- É. Desgraça nunca vem sozinha.
Corte rápido.
(João Neto)
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