sábado, 23 de fevereiro de 2013

Crônica (Ninfas brincando na varanda)



Passeando num local distante, o boto observa duas ninfas brincando na varanda da casa assobradada na beira da lagoa da mata fechada. Pernas cruzadas, sentadas frente a frente, mãos espalmadas batendo nas da outra, salteados os versos declamam.


Quem errar repete de novo

Depois fica de castigo dentro do ovo

Se tudo acertar pode o ovo quebrar

Nove pares na porta da ampla sala

A sombra de cada assim nos fala

O primeiro de branco trajado

Entrou mudo, saiu calado

Nos olhos, o ébrio

A segunda com cara de brava

Entrou furibunda, saiu enfezada

Nos olhos, o perigo

A terceira jovem apessoada

Entrou garbosa, saiu desbotada

Nos olhos, o mistério

A quarta de pescoço encolhido

Entrou sisuda, saiu no cochilo

Nos olhos, o conflito

A quinta cheia de etiqueta

Entrou porreta, saiu posuda

Nos olhos, o inventário

A sexta pimenta malagueta

Entrou marrenta, saiu poluta

Nos olhos, o temerário

A sétima chegou repaginada

Entrou calada, saiu muda

Nos olhos, o tédio

A oitava em plena folastria

Entrou temente, saiu confusa

Nos olhos, o credo

A nona trazendo empatia

Entrou moderada, saiu difusa

Nos olhos, o prego
 

Rindo a valer porque fizeram tudo certo, as ninfas quebram o ovo. Então, descruzando as pernas, ficam em pé, e, acenando ao boto em despedida, entram na casa e hermeticamente fecham a porta.

O dia ensolarado escurece. E chove.

E o boto nas águas do rio desaparece.
 
(João Neto)

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