Passeando
num local distante, o boto observa duas ninfas brincando na varanda da casa
assobradada na beira da lagoa da mata fechada. Pernas cruzadas, sentadas frente
a frente, mãos espalmadas batendo nas da outra, salteados os versos declamam.
Quem errar repete de novo
Depois fica de castigo dentro do
ovo
Se tudo acertar pode o ovo quebrar
Nove pares na porta da ampla sala
A sombra de cada assim nos fala
O primeiro de branco trajado
Entrou mudo, saiu calado
Nos olhos, o ébrio
A segunda com cara de brava
Entrou furibunda, saiu enfezada
Nos olhos, o perigo
A terceira jovem apessoada
Entrou garbosa, saiu desbotada
Nos olhos, o mistério
A quarta de pescoço encolhido
Entrou sisuda, saiu no cochilo
Nos olhos, o conflito
A quinta cheia de etiqueta
Entrou porreta, saiu posuda
Nos olhos, o inventário
A sexta pimenta malagueta
Entrou marrenta, saiu poluta
Nos olhos, o temerário
A sétima chegou repaginada
Entrou calada, saiu muda
Nos olhos, o tédio
A oitava em plena folastria
Entrou temente, saiu confusa
Nos olhos, o credo
A nona trazendo empatia
Entrou moderada, saiu difusa
Nos olhos, o prego
Rindo
a valer porque fizeram tudo certo, as ninfas quebram o ovo. Então, descruzando
as pernas, ficam em pé, e, acenando ao boto em despedida, entram na casa e
hermeticamente fecham a porta.
O
dia ensolarado escurece. E chove.
E
o boto nas águas do rio desaparece.
(João Neto)
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