segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Crônica (O casal dançante)



M - Não, não diga nada.

F - Como não diga nada?

M – Não, não diga nada.

F - Nada.

 M –  Fica quieta, ora. Não está num palco.

 F – Não fico. Ele me pôs aqui pra isso, falar, gritar, cantar. O que faço com a papelada em minha mesa?

M - Nada.

F – Olha.  Aliás, por que cantarolou “não, não diga nada”?

M - Esquece.

F - Não esqueço.

M - Tá bom.  Repita se quiser

F - Não, não diga nada.

M - Satisfeita?

F - Não. O que faço com a papelada em minha mesa?

M - Nada.

F - Bis prá “não diga nada” com beicinho.

M – Essa cor combina com tua pele.

F – Não fez beicinho, e mudou de assunto. Tá falando do meu vestido?

M – Claro.

F – Isso. Sabe do quanto gosto que me bajule.  O que faço com a papelada em minha mesa?

M - Nada.

F – Quer saber? Chegamos às onze. Quase meio-dia. Vamos pra casa.  Amanhã a gente volta no horário de sempre.

M – Vamos.

F - Esse encargo que caiu no meu colo é estafante, mas faz bem...

M – Amor, cuidado. Ele pode estar ouvindo. Vaidade é pecado.

F – Não se preocupe. Ele falou comigo hoje pela manhã.

M – Em nosso canal exclusivo?

F – É.

M – Então tá certo.

E o casal sai de mãos dadas da ampla sala, fechando a porta atrás de si depois de ligar o equipamento de segurança.

Com um sorriso enigmático, a esposa coloca as novas chaves entre os seios que surge discretamente do sensual decote.

Com a expressão irônica de sempre, o esposo caminha com os olhos fixos num ponto qualquer enquanto desce os degraus que leva o casal ao corredor de saída.

Que, aliás, ao sair, topa com o louco cantor cantalorando a música do extinto grupo Secos & Molhados.

 (João Neto)

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