M - Não, não diga nada.
F - Como não diga
nada?
M – Não, não diga nada.
F - Nada.
M – Fica quieta, ora. Não está num palco.
F – Não fico. Ele me pôs aqui pra isso, falar,
gritar, cantar. O que faço com a papelada em minha mesa?
M - Nada.
F – Olha. Aliás, por que cantarolou “não, não diga
nada”?
M - Esquece.
F - Não esqueço.
M - Tá bom. Repita se quiser
F - Não, não
diga nada.
M - Satisfeita?
F - Não. O que
faço com a papelada em minha mesa?
M - Nada.
F - Bis prá “não
diga nada” com beicinho.
M – Essa cor combina com
tua pele.
F – Não fez
beicinho, e mudou de assunto. Tá falando do meu vestido?
M – Claro.
F – Isso. Sabe
do quanto gosto que me bajule. O que
faço com a papelada em minha mesa?
M - Nada.
F – Quer saber? Chegamos
às onze. Quase meio-dia. Vamos pra casa. Amanhã a gente volta no horário de sempre.
M – Vamos.
F - Esse encargo
que caiu no meu colo é estafante, mas faz bem...
M – Amor, cuidado. Ele
pode estar ouvindo. Vaidade é pecado.
F – Não se
preocupe. Ele falou comigo hoje pela manhã.
M – Em nosso canal exclusivo?
F – É.
M – Então tá certo.
E o casal sai de mãos dadas da ampla sala, fechando a porta atrás de si
depois de ligar o equipamento de segurança.
Com um sorriso enigmático, a esposa coloca as novas chaves entre os
seios que surge discretamente do sensual decote.
Com a expressão irônica de sempre, o esposo caminha com os olhos fixos
num ponto qualquer enquanto desce os degraus que leva o casal ao corredor de saída.
Que, aliás, ao sair, topa com o louco cantor cantalorando a música do
extinto grupo Secos & Molhados.
(João Neto)
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