segunda-feira, 25 de março de 2013

Crônica (Amélia parece não gostar de mim)


Amélia parece não gostar de mim.
Moça linda, e me ignora. Tudo bem. Não sou bonito bem sei, mas não tão feio que seja deixado às traças.
Também não gosto dela. Mas gostaria de gostar.
Afinal, sua pele macia, seus cabelos sedosos, seus olhos castanhos esverdeados, seus seios formosos, seu corpo cheio de curvas...  Afe! Eu só consigo vê-lo (o corpo, o corpo) sempre escondido debaixo de panos do pescoço aos tornozelos. Nem tanto pano assim esconde tamanhas sensualidade e beleza.
E seu cheiro? Cheiro? Como cheiro? Perfume, gostoso perfume.
De segunda a sexta-feira, cedinho, ela passa pela calçada em frente de casa, e quando está dobrando a esquina de cima, o perfume continua no ar...  Nosso papagaio começa a cantar “Eu tenho tanto pra falar...”, cantando do começo ao fim sem errar ou esquecer um verso sequer. Depois fica o resto do dia quietinho, quietinho.
E nosso labrador? Esquece que eu sou seu dono, não ela.
É.
Amélia parece não gostar de mim. Tenho minhas dúvidas se é bem assim, e até digo isso pra minha mãe e minha irmã, amiga mais íntima dela.
Moça prendada. Trabalha e ainda ajuda nos afazeres da casa. Mora com os pais e mais dois irmãos, o mais velho, da minha idade, companheiro da sinuca no bar do Dito e do futebol no último domingo do mês no clube. Frequenta os cultos dominicais. Estuda. Ótima aluna, futuro brilhante pela frente.
Sou tímido, bem sei, mas não sou pestilento. Ora essa! Não me considero ótimo partido, nem de se jogar fora.
Talvez, e só talvez, se melhor me conhecesse, ela entendesse o que realmente está acontecendo.
Ou seja,  que estou caidinho por ela.
Quando mencionei “que também não gosto dela”, foi só pra disfarçar esse sentimento que toma conta do coração, do espírito, da mente, tipo “corpo e alma” daqueles que se rendem aos encantos de uma mulher. No caso aqui, eu.
 Também confesso que “gostaria de gostar” quer dizer “estou apaixonado loucamente por ela”.
O que me resta?
Contrariar quem diz “esse rapaz não presta, um dia está com uma, outra dia com outra, quando não com as duas ao mesmo tempo”, ou quem exclame quando me vê com as gêmeas  (quinze anos, lindas de dar dó),  ”viu só, eu tinha razão, ele não presta”, sem sequer saber que são minhas primas mesmo, filhas da irmã mais nova de minha mãe.
Decidido. Vou mudar.
Primeiro. Não frequentar mais o bar do Dito no sábado à tarde, esquecer as pescarias, e, claro, concluir a faculdade.
Segundo. Aplicar-me e dignificar ainda mais o ambiente de trabalho, aprender mais e mais meu ofício e, claro, economizar, deixar de ser mão aberta.
Parar de em apresentar tão desleixado. Tipo, banho todo dia. Faça calor, frio, faça sol, faça chuva. Usar desodorante, “perfuminho” discreto aos sábados e domingos. Escovar os dentes de manhã, após as refeições e antes de dormir. Diariamente.  Sim, claro, andar alinhado, nos trinques, como dizia meu avô.
Terceiro. Estar assim como não quer nada nos mesmos ambientes por ela frequentados, o que inclui a igreja.
Amélia, Amélia, me aguarde.

(João Neto)