quinta-feira, 28 de março de 2013

Crônica (Encafifa não...)


Godofredo e Hermenegildo estão sentados no banco favorito. Quatro da tarde.
- Vi algo horas atrás que me deixou encafifado – comenta Hermenegildo.
- Desembucha logo – pede Godofredo.
- No canteiro central da avenida lá de cima, em frente aquela majestosa casa...
- Aquela do bairro chique?
-... Essa. Continuando. Estava um guri sentado de pernas cruzadas...
- Sentado como Buda?
-... Isso, igualzinho escreveu nosso amigo. Continuando. Em frente dele, lado a lado, três pedras de tamanhos diferentes e cores. A primeira – mais ou menos do tamanho de uma bolinha de gude na cor branca, a segunda – mais ou menos do tamanho de uma bola de tênis de mesa na cor magenta, a terceira – mais ou menos do tamanho de uma bola tênis de quadra numa cor que não identifiquei de imediato, me parecendo mistura das outras duas, mas não tenho certeza.
- E?
- Com sua mão direita esse guri sentado como Buda segurava um bodoque, com sua mão esquerda segurava um arco.
- Bodoque e arco... sei, sei.
- Mas é. Não mais que três metros à sua frente, fincado no gramado, um espelho com moldura amarronzada.
- Espelho de moldura amarronzada?
- Pra confirmar, passei pertinho, e vi meu reflexo no vidro, ora essa, e conheço cor. Posso estar meio gagá, mas ainda conheço cor.
- Sei, sei. Continue.
- Ai é que está, compadre. Fora eu, um casal – bem sabe de quem falo - observava o guri sentado como Buda. E o guri entretido que estava, penso, com o bodoque, o arco, as pedras coloridas de tamanhos diferentes e o espelho de moldura amarronzada, aparentemente não se importava ou se apercebia de nossa presença.
- Naquele bairro de gente rica, alguns esnobes,  um guri sentado como Buda, bodoque, arco, espelho de moldura amarronzada, três pedras de tamanhos e cores diferentes, numa véspera de feriado como hoje e ninguém tomou providência? Ará! Tenha dó.
- Pois é.
- E o guri ali, estático, imóvel?
- Mas, compadre, ele estava sentado como Buda.
- Pois vamos pra lá. Quero ver tudo isso “in loco”.
- Não adianta.
- Como não adianta?
- Sumiram.
-!?
- O guri, o espelho, as pedras, o bodoque e o arco. Sumiu e nem demos conta de como aconteceu. Foi só uma piscadela, e cadê ele e tudo o mais?
- Eita! E eu escutando essa besteirada toda.
- Limão ou abacaxi?
- O que?
- Sorvete. Limão ou abacaxi?
- Limão. Teu dia de pagar.
E lá se vão os dois compadres em direção à sorveteria na esquina da praça da matriz da pequena e bucólica cidade interiorana.
 
(João Neto)