-
Escuta a conversa – o menos sujo fala com ironia e baixinho, cutucando o mais
sujo.
Os
dois andantes sentados no banco da direita da fileira de três ficam a ouvir a conversa dos dois aposentados que estão
sentados no banco da esquerda.
-
Saiu a lista das pessoas mais ricas naquela famosa revista... Como é mesmo o
nome da revista?
-
Sei lá.
-
Daqui a pouco eu lembro.
-
E...
-
Nada. Não conheço a maioria. Aliás, tem até
nome de artista... Hebe, Etti, Elke... Sei lá, algo assim.
-
Artista? Silvio Santos?
-
Tem o Silvio também.
-
E...
-
Ué. É bom saber.
-
Bom saber sobre pessoas ricas? Só me faltava essa.
Os
dois andantes coçam as longas barbas, enquanto atentam ainda mais pra conversa.
Interessa-lhes as pessoas abonadas daquela cidade. Clientela.
-
O nome da revista... O nome da revista... Puxa, não lembro.
-
Deixa pra lá.
Os
três bancos estão sob a sombra de uma frondosa árvore na praça da matriz da
pequena e bucólica cidade interiorana. Afora aqueles quatro sossegados, mais o
taxista no ponto, a moça da banca de jornal, alguns comerciantes e funcionárias
das lojas ao redor, não há mais nenhuma viva alma.
Certamente
pelo sol inclemente do meio-dia.
Os
dois andantes ajeitam nos ombros os respectivos sacos brancos de cor cinza onde
guardam seus poucos pertences e nenhum documento. Sabem que daquele mato, os
dois aposentados, não sai coelho. E a fome está apertando.
Deixam
a praça rumo à alguma casa próxima. Talvez do tal Silvio.
-
Fedor, não é mesmo?
-
De onde vem? Daqueles dois bestas.
-
Eles chegaram ontem, pelo que ouvi dizer.
-
Problema da prefeitura. Daqui a pouco tem mais pedinte que gente por aqui.
-
Esperar solução da prefeitura? Nem com reza.
Os
dois aposentados caem na gargalhada, ficando em pé.
Pra
eles, os andantes dobrando sossegadamente a esquina de cima, a catinga encalacrada
ao banco que adotaram como quarto não atrapalha o bate-papo diário com a
rapaziada ali na praça, mas que já está passando dos limites a impertinência
dos dois incômodos, isso está, é o que todos comentam. A cidade não é mais como
antigamente.
-
Então inté. Preciso ir. O almoço deve estar pronto.
-
Então inté.
Seguem
rumos diferentes, leste/oeste.
-
Lembrei.
O
aposentado volta-se, mas seu compadre está muito distante e certamente a surdez
cada vez mais crescente impedirá que ouça, mesmo que fale bem alto, grite mesmo,
o nome da tal revista. Tudo bem.
E
continua em seu vagaroso caminhar pela calçada, quase tropeçando num cão vira-lata
magricela que atravessa a rua e cruza sua frente em direção à porta aberta da
igreja.
(João Neto)
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