sexta-feira, 22 de março de 2013

Crônica (O casal de "filosófos")


- Que os desmandos acontecem a céu aberto.
- Anotado.
- Que os gabinetes são decorados ricamente.
- Anotado.
- Que os mandatários se intitulam visionários.
- Anotado.
- Que o cidadão recebe diariamente pérolas alucinógenas.
- Anotado.
- Que cultura e lazer são objetos esquecidos na prateleira empoeirada.
- Anotado.
- Que todos sabem quem é o comandante da “esquadrilha da fumaça”.
 - Anotado.
- Que o papel carbono do bom governante está jogado no lixo.
- Anotado.
- Que grupelhos agem como administradores futuristas.
- Anotado.
O casal está sentado na mesa do fundo da padaria localizada na região central da pequena cidade e bucólica cidade interiorana. O moço fala e a moça digita no notebook, enquanto lancham.
Corte rápido.
- Compadre, quem é aquele casal sentado na mesa do canto?
Hermenegildo acompanha o olhar de Godofredo indicando a mesa.
- Eu vi a balconista dizendo que é “o casal de filosófos”.
- Filósofos – corrige Godofredo.
- Não. “Filosófos”. Assim a moça falou.
Os dois compadres se servem do petisco do prato à sua frente, na mesa.
Sexta-feira chuvosa. Friorenta. Duas horas da tarde.
- São novos na cidade, compadre.
- São.
- “Filosófo” faz o quê?
- Não tenho a mínima idéia.
O casal da mesa do fundo fica em pé, caminhando em direção ao caixa, passando pelos dois compadres.
- Não parecem com ninguém que eu conheça. Não são de família daqui.
- Não são. Casal bonito. O branco fica muito bem pra eles.
Os dois compadres observam o casal entrando num “carrão antigo reformado inteirinho” – segundo a ótica deles - estacionado do outro lado da rua, acionando o motor, deixando o local.
- Sei não. Desconfio que esse casal tenha sido contratado pela administração.
- Deve ser. Estão contratando todo mundo. É só espernear, dar uns gritos, ou ameaçar contar o que sabe, arrumam um cargo rapidinho.
- Isso é. Mas também pode não ser.
- Verdade. Pode não ser.
Os dois compadres beliscam o petisco e bebem um gole de suco de laranja.
A vida continua na pequena e bucólica cidade interiorana.

(João Neto)