sábado, 16 de março de 2013

Crônica(Dois compadres II)


Final de semana. Sábado.
- Chuvinha boa, Godofredo.
- Boa.
Os dois compadres estão sentados numa das mesas da padaria localizada no centro da pequena e bucólica cidade interiorana, ao lado da igreja matriz.
- Esse tempo me faz meditar.
- É?
Hermenegildo olha para o compadre, suspira.
- E?
Hermenegildo continua calado.
- Desembucha logo – insiste Godofredo.
Neste exato instante um casal caminha em direção à praça poucos metros abaixo, pela calçada do outro lado da rua. Pelo vidro que veda uma das portas do estabelecimento, Godofredo e Hermenegildo o observam atentamente, curiosidade aguçada.
O rapaz protege a cabeça com o capuz da blusa. A moça está debaixo da sombrinha que impede o chuvisco atingi-la.
Os dois compadres sabem, pelas conversas diárias na praça, que o jovem casal está no centro do vulcão prestes a explodir. Dentre vários ensinamentos de  “Zé da Truta”, pensador local, amigo de Hermenegildo e Godofredo,  consta este – no qual meditava Hermenegildo - certa atividade cidadã é praticada com revanchismo, perseguições, acomodações de apadrinhados, coronelismo e outras modalidades que a censura não permite serem mencionadas; o que antes era “meu jeito de fazer é esse, quem está do meu lado, está do meu lado, quem não está do meu lado, sifu, ou seja, aos amigos as benesses da lei, aos inimigos o rigor da lei” hoje está travestido de religiosidade, ou seja, lobo em pele de cordeiro.
- Você estava meditando...? – a voz de Godofredo os traz de volta ao interior da padaria.
O jovem casal distancia.
- Coitado desses dois. Tão novinhos e cheios de vida, com um futuro maravilhoso pela frente – pensa em voz alta Hermenegildo.
- Quando entraram nessa, suponho que tinham consciência de serem apenas soldados nesse imbróglio todo – argumenta com pragmatismo Godofredo.
- Será, compadre? E o idealismo? A juventude engajada?
- Compadre, há quantos anos estamos testemunhando acontecerem coisas inomináveis?
- Faz tempo.
- Então. Quem entra na chuva é pra se molhar.
A balconista se aproxima com o pedido, deixando sobre a mesa as duas xícaras de café expresso, retornando ao balcão, ao lado do caixa, porta de entrada, onde está a gerente.
- Eles estão falando do assunto do momento, o casal?
- Acertou em cheio.
Corte rápido.
Segundo se comenta na pequena e bucólica cidade, “Zé da Truta”, inveterado bebedor, diz sempre que numa situação onde os superiores permanecem nos bastidores, aqueles que estão na linha de frente são peças descartáveis. Diz mais, no futuro, caso sobrevivam, continuarão sendo o que sempre foram, ou seja, meros soldados. “Zé da Truta” diz, entre um gole e outro,  que essa atividade não se assemelha ao jogo de xadrez, seria muito nobre, e sim a uma guerra cujos participantes não possuem escrúpulos ou arrependimentos. E conclui sem muito entusiasmo que um dia tudo irá mudar, e será pra melhor, pois pior não pode ficar. 

(João Neto)