O som inunda a ampla sala. O casal
rodopia ao som da música.
M – Ele ainda está em contato,
presumo.
F – Presumo?
M – Tá bom. Desculpe-me.
F – Fique tranquilo. O
telefone está comigo.
O
casal gira pela ampla sala. Móveis novos, tapete novo, cortina nova.
M – Precisamos insistir nisso. O
cerco está apertando.
F – Não estamos em
Jericó.
M – Mas as trombetas são
ruidosas.
A dança continua.
O casal está feliz. Tudo está saindo como o planejado.
F – Como estou?
M - Linda.
F – Eu sei.
A dança leva o
casal ao êxtase quase divinal.
M – Vamos parar.
Tem a papelada sobre a mesa.
F – Esquece a papelada.
M – Precisamos demonstrar
que estamos imbuídos de boa vontade. Faz parte.
F - Não. Quero
continuar dançando.
Como sempre, ele cede. Também
faz parte.
M – Ele está nos vendo.
F – Ele entende.
M – Acredita
nisso?
F – Claro. E você?
M – Se você
acredita, eu acredito.
F – Quer saber? Chegamos
às nove. Quase nove e quinze. Vamos pra casa.
M – E a papelada?
F – Depois, depois.
M – Está
certo. Ele pode se chatear e nos tirar a
proteção.
F – Não se preocupe.
Ele falou comigo hoje pela manhã.
M – Verdade? E eu nem percebi.
F – Sempre foi assim.
M – Vamos embora
então.
E o casal de mãos dadas caminha em direção à porta, a música inundando a ampla e confortável sala. Desligando o som, ligando o equipamento de
vigilância, o casal passa pela porta, fechando-a.
Com seu sorriso preferido, o de nº 9, a
esposa coloca as chaves entre os seios que surgem discretamente do sensual
decote do vestido justíssimo realçando as curvas do belo corpo.
Com a expressão irônica de
sempre, o esposo caminha com os olhos fixos num ponto qualquer, enquanto desce
os degraus que leva o casal ao corredor de saída.
Como acontece sempre ao sair do
assobradado, o casal topa com o louco cantor assobiando em ritmo de samba a
música valsada que dançavam.
Afe.