quarta-feira, 13 de março de 2013

Crônica(Sorvete de cerveja.Quem diria.)


Dias atrás alguém disse que será lançado brevemente o sorvete de cerveja.
Sorvete de cerveja. Quem diria.
Assim sendo, incentivado por tal notícia, um amigo resolveu lançar sua iguaria.
Sorvete de marolo com coquinho, cuja receita, secreta segundo ele, está com sua família desde 1869.
A questão maior foi que ele resolveu me usar como cobaia. Isso mesmo. O primeiro humano a experimentar o tal sorvete de marolo com coquinho. Degustar, disse ele.
Voluntariamente. Afinal, amigo é pra essas coisas.
Cara esperto. Sabia que eu tentaria me safar. Assim, domingo próximo passado, me convidou para ir até a casa de sua família num condomínio à beira da represa de uma hidroelétrica muito conhecida.
Chegando lá por volta das dez horas, fui surpreendido. Churrasqueira preparada, carne (alcatra e bisteca do filé. Delícia!), salada gaúcha, arroz soltinho. Afe.
Eis que na mesa... Chovia e a piscina estava coberta com lona. Azar.
Voltando. Eis que na mesa de madeira (sabe aquela que todos querem e poucos possuem?) os ingredientes do sorvete de marolo com coquinho.
Minha geração conheceu e se lambuzou de marolo. E aquela espécie enorme (maior, mas muito maior que melancia), casca em viés ou algo assim, de um colorido desconhecido pra mim, podia ser qualquer coisa comestível, menos marolo.
Quem com mais de cinquenta anos não catou coquinho?  Catar coquinho mesmo, ora essa. Se não catou, bradou “vá catar coquinho, meu” pra algum desafeto.
Pois aquela coisa quadrada tinha semelhança com a primeira em tudo. Coquinho? Pode parar, pode parar. Aquilo não era coquinho.
Enquanto eu e sua família saboreávamos o churrasco, o arroz e a salada, meu amigo se municiou (convenhamos, municiar é a palavra correta) com um liquidificador enorme (põe enorme nisso), jogando dentro de sua jarra aquelas duas entidades de outro planeta já picadas, depois pinga, então leite condensado, mais pinga, açúcar, mais pinga, gordura vegetal, mais pinga, e uns dezoito outros ingredientes, sempre intercalados com pinga, cujas origens e funções na receita eu desconhecia completamente.
E a pinga?  Idem. Receita secreta, lembra?
 Batida numa socada só no liquidificador, essa miscelânea resultou numa massa gosmenta multicolorida, depositada por ele numa vasilha enorme e levada ao congelador.
Isso aconteceu pouco antes do meio-dia.
Como já mencionei, chovia. Trovões e relâmpagos.
Ficamos churrasqueando e papeando até por volta das cinco horas... ou seis? Sei lá. Tudo muito gostoso, tudo muito bom. Apesar da chuva.
Mas tinha a degustação, motivo da minha presença naquela bela casa.
Quando meu amigo caminhou em direção ao congelador, sorrateiramente foram caminhar na praia (sei, sei) sua noiva, sua mãe, seu pai, seus cinco irmãos, suas três irmãs, sobrinhos, sobrinhas, cunhadas, cunhados, o labrador... e o chupim que era praticamente membro da família e até o dia de hoje não voltou pra casa.
Restamos eu e ele na mesa, e uma frutinha amarela, pequenina. E outra, de casca verde amarronzada. Exatamente. Coquinho e marolo. Araticum.
Meu amigo se esquecera daqueles ingredientes. Ele ficou tão bravo, mas tão bravo, que foi até a pia ao lado da churrasqueira para jogar seu sorvete e começar de novo.
E conseguiu? A "mistureba" não estava dura... estava duríssima.
Em que teria se transformado aquilo?  Qualquer coisa, menos sorvete.

(João Neto)