Dias
atrás alguém disse que será lançado brevemente o sorvete de cerveja.
Sorvete
de cerveja. Quem diria.
Assim
sendo, incentivado por tal notícia, um amigo resolveu lançar sua iguaria.
Sorvete
de marolo com coquinho, cuja receita, secreta segundo ele, está com sua família
desde 1869.
A
questão maior foi que ele resolveu me usar como cobaia. Isso mesmo. O primeiro
humano a experimentar o tal sorvete de marolo com coquinho. Degustar, disse
ele.
Voluntariamente.
Afinal, amigo é pra essas coisas.
Cara
esperto. Sabia que eu tentaria me safar. Assim, domingo próximo passado, me
convidou para ir até a casa de sua família num condomínio à beira da represa de
uma hidroelétrica muito conhecida.
Chegando
lá por volta das dez horas, fui surpreendido. Churrasqueira preparada, carne
(alcatra e bisteca do filé. Delícia!), salada gaúcha, arroz soltinho. Afe.
Eis
que na mesa... Chovia e a piscina estava coberta com lona. Azar.
Voltando.
Eis que na mesa de madeira (sabe aquela que todos querem e poucos possuem?) os
ingredientes do sorvete de marolo com coquinho.
Minha
geração conheceu e se lambuzou de marolo. E aquela espécie enorme (maior, mas
muito maior que melancia), casca em viés ou algo assim, de um colorido
desconhecido pra mim, podia ser qualquer coisa comestível, menos marolo.
Quem
com mais de cinquenta anos não catou coquinho?
Catar coquinho mesmo, ora essa. Se não catou, bradou “vá catar coquinho,
meu” pra algum desafeto.
Pois
aquela coisa quadrada tinha semelhança com a primeira em tudo. Coquinho? Pode
parar, pode parar. Aquilo não era coquinho.
Enquanto
eu e sua família saboreávamos o churrasco, o arroz e a salada, meu amigo se
municiou (convenhamos, municiar é a palavra correta) com um liquidificador
enorme (põe enorme nisso), jogando dentro de sua jarra aquelas duas entidades
de outro planeta já picadas, depois pinga, então leite condensado, mais pinga,
açúcar, mais pinga, gordura vegetal, mais pinga, e uns dezoito outros
ingredientes, sempre intercalados com pinga, cujas origens e funções na receita
eu desconhecia completamente.
E
a pinga? Idem. Receita secreta, lembra?
Batida numa socada só no liquidificador, essa
miscelânea resultou numa massa gosmenta multicolorida, depositada por ele numa
vasilha enorme e levada ao congelador.
Isso
aconteceu pouco antes do meio-dia.
Como
já mencionei, chovia. Trovões e relâmpagos.
Ficamos
churrasqueando e papeando até por volta das cinco horas... ou seis? Sei lá. Tudo
muito gostoso, tudo muito bom. Apesar da chuva.
Mas
tinha a degustação, motivo da minha presença naquela bela casa.
Quando
meu amigo caminhou em direção ao congelador, sorrateiramente foram caminhar na
praia (sei, sei) sua noiva, sua mãe, seu pai, seus cinco irmãos, suas três
irmãs, sobrinhos, sobrinhas, cunhadas, cunhados, o labrador... e o chupim que
era praticamente membro da família e até o dia de hoje não voltou pra casa.
Restamos
eu e ele na mesa, e uma frutinha amarela, pequenina. E outra, de casca verde
amarronzada. Exatamente. Coquinho e marolo. Araticum.
Meu
amigo se esquecera daqueles ingredientes. Ele ficou tão bravo, mas tão bravo,
que foi até a pia ao lado da churrasqueira para jogar seu sorvete e começar de
novo.
E
conseguiu? A "mistureba" não estava dura... estava duríssima.
Em
que teria se transformado aquilo? Qualquer
coisa, menos sorvete.
(João Neto)