segunda-feira, 29 de abril de 2013

Crônica ("Total falta de assunto")


O visitante escreve sobre “total falta de assunto”.
Sentado tranquilamente no balcão da padaria localizada na região central da pequena e bucólica cidade interiorana, saboreando um café expresso acompanhado de pão com manteiga na chapa, num guardanapo de papel com a caneta esferográfica emprestada pela simpática gerente, escreve suas considerações sobre tão relevante tema.
A gerente e a balconista cuidando de suas obrigações, de quando em quando dão uma olhadela em direção ao viajante. Boa aparência, vestuário simples, fisionomia comum, de poucas palavras,  é a nona vez – contagem delas -  que senta no mesmo banco, no mesmo canto do balcão, sem pressa em beber o café e mordiscar o pão, pra depois levantar, devolver a caneta e despedir-se com um aceno da funcionária que o atendera, passar pelo caixa, pagar a despesa, despedindo-se da gerente, indo embora sem dica pra onde.
Ora, o que existiria de diferente nesse sujeito? Simples, na visão dessas funcionárias. Nas oito ocasiões anteriores, como aquela, escreveu num guardanapo de papel, esquecendo-o sobre o balcão.  Nove vezes, nove escritos.
A gerente de olhos verdes inicia a leitura do guardanapo daquela manhã, trazido pela sorridente e esperta balconista, que fica ao seu lado, curiosa.
Nos últimos dias paira no ar uma total falta de assunto. Algumas pessoas sentem-se incomodadas nessa situação, pois, em tais momentos, as rodinhas de bate-papo na praça da matriz, nas esquinas, nos gabinetes, no intervalado das aulas, nas salas das repartições, nos estabelecimentos comerciais, nas agências bancárias, nas casas, nas alcovas, no cafézinho, no ponto de táxi, não conseguem ajuntar as palavras numa frase coerente, e o silêncio desse alarido é desconcertante pra elas.
A eficiente gerente cuidadosamente dobra o guardanapo, guardando-o na gaveta juntamente com os oito parelhos. Esse segredo é dividido entre ela e a sorridente colega que está a atender uma freguesa.
Elas trazem vivo na memória o escrito do dia anterior.
O fofoqueiro fala pelos cotovelos, conforme a lenda, sem se importar com a coerência. Apenas quer falar. Alguns fofocam com os familiares, outros no local de trabalho, outros nas repartições públicas, etc... É certo que são encontrados em qualquer ambiente. Dizem maliciosamente que apenas “comentam sobre a vida alheia”. Aceitável, mas há os fofoqueiros-mor. Homens e mulheres, em qualquer idade, em qualquer segmento social. E dentre esses profissionais do mexerico, os que mais proliferam são os fofoqueiros bajuladores. Mas é assunto pra outro dia

João Neto

 

domingo, 28 de abril de 2013

Faz Chover

Assim como a corça
Anseia por águas
Como terra seca
Precisa da chuva
Meu coração tem sede ti
Rei meu e Deus meu

Faz chover, Senhor Jesus
Derrama a chuva neste lugar
Vem como teu rio, Senhor Jesus
Inundar meu coração

(música: Faz Chover)
Salve Ana Paula Valadão, Salve David Quinlan

Faz chover, Senhor Jesus
Nos homens de boa vontade.
Faz chover, Senhor Jesus
Nos corações empertigados
João Neto

sábado, 27 de abril de 2013

Texto (Breves considerações sobre cultura nas pequenas cidades)


Alguém teria afirmado que cultura é um conceito que está constantemente em ebulição, influenciada no transcorrer dos tempos por novas formas de pensamento próprio da evolução humana.
Como também afirmou que, lato sensu, cultura significa cultivar, e vem do latim colere. Nos tempos atuais reuniria o conhecimento, a moral, os costumes, as crenças, a religião, as artes (em suas variadas formas de expressão), os sistemas legais, e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo homem não somente em família, como também por fazer parte de uma sociedade como membro dela que é.
Disse ainda que cultura popular engloba atividades criadas e desenvolvidas por um determinado povo, com influência de suas crenças adquiridas por e entre seus integrantes.
Concluiu afirmando que não importa se aconteça num povoado ou numa metrópole, o que vale é que seus habitantes criem sua cultura, erudita ou popular.  Preservem-na e a levem para outros povoados, outras metrópoles, apresentando-a, interagindo com seus pares, adquirindo novos hábitos culturais e aplicando os seus. 
É isso aí.
Alguém atentaria que nas pequenas cidades se percebe nos olhos de algumas pessoas a inquietude  do querer fazer e viver cultura, como em outras pessoas essa inquietude está adormecida, ausente em pouquíssimas.
Ora, tal constatação deixaria tranquila essa pessoa quanto ao futuro desse  povo, pois nele estaria latente o prazer e o viver cultura, bastando apenas um leve toque para eclodir e desenvolver-se. 
Talvez até fosse legal aguardar essa eclosão e testemunhar atividades culturais realizadas com intensidade, inventividade, originalidade, aptidão, abnegação.
Bem mencionado, ou seja, deixaria tranquila essa pessoa, mas de repente ela não tenha tal percepção, condição essencial para administrar essa bem-aventurança.
João neto

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Crônica (As palavras em si são ocas)



- Muito cuidado com as palavras. As palavras em si são ocas.
Zé da Truta está pescando. Ao lado do “filosófo” sentado no barranco sob a sombra de uma frondosa árvore estão Godofredo e Hermenegildo, os dois compadres, amigos de longa data.
- Muitos dentre nós se dizem companheiros, mas as traíras deste rio se envergonhariam se comparadas a eles.
Godofredo e Hermenegildo permanecem silenciosos, atentos à ponta de suas varas e ao palavreado do “filosófo” que olha fixamente para a corredeira mansa do rio.
- Outros afirmam serem amigos, mas nem a cascavel na moita ataca tão traiçoeiramente como eles.
Godofredo sente o puxão, levantando a vara, trazendo fisgada uma baita traíra.
- Muitos dizem que foram fisgados pela solidariedade, mas fazem do coração apenas um músculo.
Hermenegildo auxilia o compadre a tirar o peixe do anzol e pra  em seguida ser coloca-lo cuidadosamente no puçá, voltando ao seu lugar.
- Muitos falam em sustentabilidade, mas desconhecem o valor desta maravilhosa natureza que nos foi dada graciosamente e sua importância para a sobrevivência do bicho homem.
Hermenegildo dá um chasco em sua vara, surgindo à superfície uma valente traíra, minutos depois vencida pelo cansaço e pela destreza do pescador.
- Muitos falam sobre enricar civicamente, mas tiram da vida aquilo que não lhe é facultado negar e não redistribuem conforme a vida lhes favoreceu.
Godofredo e Hermenegildo silenciosamente arrumam a “tráia”.  As duas últimas inteiraram nove traíras, todas de bom tamanho, número suficiente para uma boa fritada.
- Muitos dizem que o óleo quente queima além da epiderme, mesmo assim tropeçam e sacodem a frigideira.
Estão os três amigos caminhando pela beirada da estrada de retorno pra casa. Ao friozinho de outono, o que até lhes causou certa surpresa pela boa pescaria realizada, Godofredo e Hermenegildo não dão a mínima importância, pois lambem os beiços, antecipadamente saboreando o prazer que terão ao degustar as traíras bem temperadas com limão e sal e fritas no óleo fervendo, acompanhadas de uma “branquinha” da boa.
- Muitos falam que são estudados, ou que são artistas, ou que são solidários, mas seus olhos não vestem beca, não são afinados, só trazem frieza descolorindo sua íris.
Godofredo e Hermenegildo silenciosamente ouvem atentamente o “filosófo” Zé da Truta, que sabem estar numa ressaca daquelas pela bebedeira da noite anterior, enquanto observam ao longe as luzes da cidade.
- As palavras em si são ocas, meus amigos. Nossos atos, nossas atitudes é que dão significado real para elas. Quando falamos ou escrevemos podemos falseá-las, enganando os inocentes, ludibriando os gananciosos, sufocando os corajosos, prejudicando os simples, bajulando os poderosos, corrompendo os honestos... falamos e escrevemos  sobre tantas coisas. É certo que em algum momento dessa vida vã quando estivermos sozinhos em frente ao espelho nossos olhos deixarão transparecer o que realmente somos, se do bem ou se do mal, e então compreenderemos que jamais enganaríamos, ludibriaríamos, sufocaríamos, prejudicaríamos, bajularíamos, corromperíamos, ou quaisquer outros atos que ousássemos praticar, se permitíssemos aflorar a criança que trazemos desde todo o sempre em nosso espírito.
- E não é? – arrisca a comentar Godofredo, mas beliscado no braço por Hermenegildo, cala-se novamente.
Afinal, quem neste mundão de Deus, além dos moradores da pequena e bucólica cidade interiorana que desponta à frente, tem essa oportunidade de conviver com esse “filosófo” e simpático bebum chamado carinhosamente pelos amigos de Zé da Truta? Mesmo nunca se entendendo bulhufas, reconhecendo, porém, que as palavras ficam bonitas quando pronunciadas por sua voz fanhosa, isso ninguém nega.
E que venham as traíras fritas. Bão, muito bão.
João Neto

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Poesia (Passeando pelo jardim)


Desponta passeando pelo jardim
Na mansa manhã de setembro
Menina-moça aroma de alecrim
Aos olhos do rapazinho breve alento

Perfume que a todos inebria
Em cada movimento traz magia
Aos olhos do moço efêmera alegria

Quando serena a noite principia
Ela se esfuma tocada pela brisa

Aos olhos do velho saudade adormecida
João Neto

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Crônica (As crianças traquinas, a aposta, os buracos na rua, o samurai)


Duas crianças traquinas fazem uma aposta valendo a pipa de papel crepom de cor marrom que encontraram perdida no descampado. “E cachaço não é robalo”, já dizia Zé Truta, grande “filosófo” daquela pequena e bucólica cidade interiorana, aos seus pais.
Com autorização dos pais, as duas sairiam de manhãzinha e, partindo do bairro mais chique e terminando na última rua do bairro mais periférico, contariam quantos buracos existiriam nas ruas da localidade.
Na noite anterior, as crianças anotaram com caneta esferográfica vermelha em folhas de papel o número de buracos que supunham existir nas ruas, dobraram as folhas por quatro vezes, depois grampearam numa das pontas, tornando-as invioláveis. 
Entregam as folhas para um samurai.
Por que um samurai? Supostamente por, inesperadamente e silenciosamente, ter surgido do nada em frente à duas crianças no exato momento em que, na manhã de quarta-feira, dariam o pontapé inicial no cumprimento da aposta. 
Se há outro motivo, quem saberia? Óia, óia... guarde contigo tal conjectura.
O que importa é que o disciplinado espadachim proteja com sua própria vida os números constantes naquelas folhas dobradas e grampeadas, e,  com seu jeito peculiar, assim se posta e aguarda, impoluto naquela roupagem toda negra.
Estando ainda nas ruas do bairro chique, as duas crianças percebem que o número anotado em suas folhas não se aproximaria do número dos buracos, e a aposta tinha sido no número exato e, até aquele momento, estava 100 por 1, ou algo assim.
Ah, que pena! Nenhuma delas ficaria com a pipa de papel crepom de cor marrom que encontraram perdida no descampado. “Quem não arrisca não se coça”, teria filosofado Zé da Truta aos seus pais diante de tamanho imbróglio.
Na verdade, na verdade, estão elas a se divertir. E contar.
Dois buracos na rua das casas dos bacanas. Mais dois buracos na rua da casa da menina bonita. Mais dois na rua da casa do riquinho metidinho. Dois buracos na rua da casa do irmão do vereador.  Surpresa! Apenas um buraco na rua da casa do advogado. Mais dois buracos na rua... e por aí vai. Bairro chique, bairro classe média, centro, bairro mais ou menos, e bairro, mais bairro, outro bairro, inclusive aquela rua daquela casa monumental.
Ao final da tarde, tardezinha mesmo, as mochilas que trazem às costas não trazem mais o gostoso lanche e a garrafinha com suco gelado, as duas crianças terminam a contagem dos buracos na última rua da vila mais periférica. Ufa! Exatamente nove buracos possui essa última rua, nem mais, nem menos, igualzinha a outras.
Extenuados, mas satisfeitas pela tarefa concluída, pelo telefone celular chamam por seus pais, que estão bem próximos, pois durante o dia todo acompanharam a aventura das crianças bem de pertinho, rindo quando se surpreendiam com tantos buracos.
No ponto de partida, as duas crianças se aproximam do samurai e, bem baixinho, sussurram em seu ouvido o número exato dos buracos contados.
O temível guerreiro pega as duas folhas grampeadas que estão guardadas sob a faixa de sua cintura, retira os grampos, desdobra-as, lê, dobrando como no original uma e outra, guardando-as novamente sob a faixa de sua cintura.
Sabe-se lá o motivo, o samurai, tão silenciosamente e repentinamente como surgira, desaparece entre a fumaça que sempre usa nos momentos mais imprevisíveis para se esvair aos olhos dos presentes.
E, quem diria, leva com ele a pipa de papel crepom de cor marrom que as duas crianças tinham encontrado no descampado. “Samurai, como traíra, com fiança não se pesca” filosofaria Zé da Truta rindo até perder o fôlego diante de momento tão impagável.

João Neto

terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica (O casal, o choro, o santo e a revista de fofocas)


Por algum motivo o bom homem resolve se aprimorar no choro na manhã modorrenta da pequena e bucólica cidade interiorana. Funcionário público juramentado, preguiçoso por opção, está ele sentado no sofá da sala da casa de cinco cômodos tirando sons plangentes de seu cavaquinho, confidente de todas as horas.
Ao seu lado, a companheira inseparável folheia alguma revista de fofoca, apreciando a melodia.
Na estante, a figura de São Jorge vela pela tranquilidade do casal enquanto o som vindo da rua invade a sala. Latidos dos cães e mais nada.
- Quem diria, não é? – puxa assunto a mulher de bobes na cabeça.
O homem, sem interromper a música, resmunga alguma coisa.
- Exatamente – a mulher de bobes na cabeça concorda com a argumentação do bom homem dedilhando as cordas do cavaquinho.
A melodia chorosa se confunde com os latidos caninos.
- Mas apesar de tudo, tudo acabará bem. Como sempre diz Zé da Truta, nosso amigo “filosófo”, “há males que são pra males, há bens que são pra bens” – filosofa a mulher de bobes na cabeça.
O funcionário público municipal interrompe o dedilhar nas cordas do instrumento musical.
- Eu sei, eu sei – se apressa em dizer sua companheira inseparável – mas, quer queiramos, quer não queiramos, não somos os responsáveis por esse caos. Foram eles, eles... e se foram eles, eles que se explodam, ou melhor, que se virem. Afinal, quem põe comida em nossa mesa somos nós.
O bom homem volta a tirar notas chorosas de seu confidente.
- Meu velho, quer saber? Vamos à luta.
Num pé lá, outro cá, nove minutos depois está ela de jeans, camiseta, tênis, cabelos escovados, batom lábios, rímel nos cílios,  e da pequena cozinha da casa financiada, chama pelo amásio. Recorde.
- Meu velho, o café está pronto.
Nove minutos depois estão caminhando lado a lado pela calçada da rua pavimentada da vila periférica onde residem e os pássaros são mais que meros distribuidores de caca nas vestimentas e cabeça dos moradores.
Ao cruzarem pelo pequeno, abandonado e esquecido jardim, observam os restos deixados pelos frequentadores notívagos. Balançam a cabeça negativamente.
- Meu velho, quando vejo essas seringas e camisinhas usadas agradeço por não termos filhos.
O bom homem, funcionário público juramentado, preguiçoso por opção, resmunga em concordância com a companheira inseparável, funcionária como ele, mas com jeitão daquelas velhas matronas de antigamente.
João Neto

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Crônica (Efemérides)


Descobrimento do Brasil. 22 de abril. Céu cor de anil... e outras “coisitas” mais.
Não importa. Importa que o céu está acinzentado, que 22 de abril é um dia depois do dia 21 e o 112º dia do ano no calendário gregoriano (113º nos anos bissextos).
Se propusessem à mim e pra você cantarmos a segunda estrofe da 2ª parte do Hino Nacional... sem ler a  ou gaguejar ou com ele sendo cantado ao fundo.... sei não, sei não. Eu afirmo que não cantaria... eu, eu não cantaria. E você?
Minha neta de onze anos chegou da escola (estadual) e, perguntada, respondeu que hoje é “22 de abril”. Sei não. Desconfio que não tenha sido comemorado o descobrimento em algumas salas de aula desse “brazilzão”. Aí diretores e professores proclamam em alto e bom som o péssimo sistema educacional que temos... e do qual fazem parte.
Deixa pra lá.
22 de abril é o Dia da Terra. Nosso Planeta Terra ou da Mãe Terra. Invenção de estrangeiro, como sempre diz Zé da Truta, grande “filosófo” daquela pequena e bucólica cidade interiorana.
Brasil e Terra. Tiraríamos “pérolas” de sabedoria dessa dupla.
Tipo “se o Brasil tem a Lei de Gérson em plena vigência, a Terra tem a Lei da Gravidade”... Afe! Besteirol.
De qualquer maneira, sou brasileiro. Não tanto entusiástico quanto algumas pessoas nas arquibancadas da vida, mas orgulhoso a minha maneira de ter nascido por aqui.
Esse treco de “onde a gente nasce” é pura ficção.
Talvez não o faça, mas gostaria de viajar por esse país. Não digo “meu país” porque os políticos usurparam dele e não dão muita chance aos demais.  Alguns desavergonhadamente até dão rasteira naqueles conterrâneos que porventura se arvoram em defensores de um tiquinho que seja desse torrão verde/amarelo/azul e branco. Mas na estrada todos somos iguais.
A propósito, responda sem pestanejar: a segunda estrofe da 2ª parte do Hino Nacional seria “Do que a terra, mais garrida, teus risonhos, lindos campos têm mais flores; nossos bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio mais amores”? Ou seria “se o penhor dessa igualdade conseguimos conquistar com braços fortes, em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito a própria morte!”?
Sei não. Na dúvida, aponto a primeira hipótese. 
João Neto

domingo, 21 de abril de 2013

Você Me Eleva


Quando estou triste e minha alma fica tão cansada
Quando preocupações surgem e meu coração sobrecarrega
Então eu me acalmo e espero aqui em silêncio
Até você, oh Deus, vir e sentar-se por um instante comigo

Você me eleva e eu posso alcançar as montanhas
Você me eleva para caminhar sobre mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou contigo ombro a ombro
Você me eleva e fico mais perto do que eu posso ser

Não, não há vida sem este desejo
Em cada batida do meu coração imperfeito
Quando você chega me compenetro e confio
Então me parece que vislumbro a eternidade

Você me eleva e eu posso alcançar as montanhas
Você me eleva para caminhar sobre mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou contigo ombro a ombro
Você me eleva e fico mais perto do que eu posso ser

 (tradução livre da canção You Raise  Me Up)
João Neto

sábado, 20 de abril de 2013

Texto (Quem sabe do momento chafariz é o dono do nariz)


Eu não gosto de mim. Tudo bem. Ninguém gosta de mim.
Um ou outro talvez. Agradeço.
O que me tranquiliza é que não gosto de ninguém. Tudo bem.
Um ou outro eu gosto. E estou com ambos e não abro.
O que não quer dizer nada. Um não está perto de mim.
Empate técnico. O outro também.
Alguém me odeia. Beleza. Eu também odeio alguém.
Vejamos.
Não sou rico. E nunca serei rico. E nem quero ser.
Ótimo.
Ora, não dou a mínima se alguém é rico. Parabéns.
O que não quer dizer nada. Rico é feliz. Verdade?
Sei lá. Ele é quem sabe. Eu sou feliz.
Alguém é bonito e eu não. E daí?
Feiura é a arte abstrata para os feios. Afe.
Ninguém me ama. Eu também não amo ninguém.
Ótimo.
E por aí vai.
Vejamos.
Na verdade, na verdade mesmo, quem se importa?
Sei lá.
Resumindo... alguém sabe jogar dominó?
Tranca?
Truco?
Não sou muito de jogatina. Eis o destino chinfrim.
Convenhamos... arcabouço. Loucos somos nós.
Qual seria a cor da cor?
A cor seria a cor da cor?
Deixa pra lá.
Enfim, quem está a fim?
Do quê?
Sei lá.
Quem sabe do momento chafariz é o dono do nariz.

João Neto

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Crônica (Qual o doce preferido...)


Eu só preciso saber o doce preferido dessa pessoa”, Zé da Truta medita consigo mesmo.
A praça está movimentada. Afinal, o que haveria não haverá, o que seria não mais será. Prato cheio pra rapaziada.
Retornando de suas casas, surgem os compadres Hermenegildo e Godofredo lá pelos lados do canto debaixo da praça da matriz da pequena e bucólica cidade. Rapidinho, rapidinho, sentam ao lado de Zé da Truta, deixando o “filosófo” entre eles dois. Como de costume.
- Que fez com seu invólucro? – Godofredo pergunta na lata.
Como Zé da Truta está com seu conhecido ar de apalermado que ostenta quando está arquitetando alguma travessura, Hermenegildo segura seu ombro e lhe dá uma chacoalhada daquelas.
Afinal, são suficientemente amigos pra que o “filosófo” não se irrite.
- Diga pra nós, bom amigo, o que fez com seu invólucro? – ele pergunta com a delicadeza que o momento sugere, ou seja, sussurando no ouvido.
Pois não é que Zé da Truta continua pensativo e não mexe um músculo sequer?
Será que essa pessoa gosta de arroz doce? Ou doce de abóbora? Ou doce de leite cremoso?” – seu pensamento está em qual doce deveria escolher pra poder levar adiante seu plano infalível para realizar seu teste – “Chocolate? Não, chocolate não me parece, pois dá a nítida impressão que tem dificuldades para controlar o peso. De repente, nem curte doce.” – seu rosto deixa transparecer  decepção momentânea.
Godofredo olha para seu compadre por cima da cabeça do “filosófo”, colocando o dedo indicador na boca fechada, sinalizando para que fiquem em silêncio.
Afinal, são suficientemente amigos pra entender que quando o “filosófo” está a pensar é melhor esperar, pois diversão garantida sua cachola irá descolar.
Zé da Truta minutos antes tinha solicitado pra um guri que levasse seu invólucro lacrado e escondesse num lugar secreto, com a orientação que não desvelasse o dito cujo e, somente quando lhe pedisse com a senha combinada, fosse busca-lo nesse lugar só pelo guri sabido. Enfim, coisas de “filosófos” e guris e gente do gênero.
Godofredo e Hermenegildo ficam na expectativa, pois bem sabem que Zé da Truta logo, logo retornaria ao mundo dos mortais, e não aguentaria ficar calado muito tempo, nem minutos, na verdade, e lhes contaria o que está tramando. Até porque nada que meia dúzia de latinhas de cerveja não resolvesse se continuasse de bico calado.
Pois, salvo engano, mas muito engano, ele está tramando alguma coisa. Ah, isso tá!
Godofredo e Hermenegildo esfregam as mãos, não se importando em disfarçar a excitação. E essa atitude chama atenção dos “p.m” e da rapaziada do sossego. E, por dever de ofício, do jardineiro misto de vigia. Ichi!
A cidade sabe do que Zé da Truta é capaz de aprontar. Ah, isso sabe!

 João Neto

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Crônica (Em busca da cobaia perfeita)


No dia seguinte, Zé da Truta está sentado em seu banco de costume na praça da matriz da pequena e bucólica cidade interiorana.
Apesar do sol e céu claro, o frio dá sinal de sua presença.
Zé da Truta observa o invólucro lacrado que Risadin e Coverdin ofereceram gratuitamente à rapaziada.
Aqueles dois fanfarrões tinham deixado a cidade. Eles se foram como chegaram, ou seja, ninguém sabe o motivo de terem vindo e muito menos a razão de terem ido. O pessoal até estava se acostumando com o jeito engraçado deles.
Zé da Truta continua a observar o invólucro lacrado ao seu lado no banco.
No dia anterior, Risadin e Coverdin, logo depois da praça se esvaziar, desceram do tablado e se aproximaram deles. No caso, ele, Zé da Truta, e os compadres, Hermenegildo e Godofredo. Sem nada dizer e não dando chance de recusa, ofereceram graciosamente a cada um deles a tal substância contida naquele invólucro lacrado.
Os compadres levaram o respectivo invólucro pra casa, deixando a praça imediatamente, contentes pra chuchu. Zé da Truta riu ao perceber que esconderam o invólucro por dentro da camisa, atitude espalhafatosa, pois o volume aparecia nitidamente. Mas as poucas pessoas com quem cruzaram no trajeto não se perceberam ou não deram muita importância a isso.
 A substância que traz ao nosso consciente o que nos surpreende sempre, Zé da Truta recorda-se dessas palavras de Risadin e Coverdin.
Pois seja.
Zé da Truta na sua cachola de “filosófo” e no seu coração de beberrão resolve fazer um teste para comprovar a eficácia tão propagada pelos “din”.
Ele explora o ambiente. O misto de jardineiro e vigia está varrendo as alamedas com a vassourão de piaçaba. O banheiro público debaixo do palco vazio. O frio impede que os “p.m” (gosta de chamar seus amigos, os aposentados frequentadores assíduos da praça, dessa maneira, “p.m” (exatamente isso), até porque eles não se importam, na verdade até incentivam) estejam por ali. É certo que ao entardecer não faltará nenhum. A rapaziada do sossego normalmente aparece nesse horário.
Zé da Truta olha em direção à banca de jornal. A moça que está folheando revistas é gente de primeira qualidade. Olhadela no ponto de táxi ao lado da banca. Talvez dois ou três dos nove taxistas possam servir de cobaias.
Seu campo de visão se expande aos estabelecimentos comerciais ao redor da praça. As funcionárias das lojas, os atendentes das farmácias, as balconistas da padaria, os companheiros do mais antigo bar, talvez alguém da associação comercial, ou as bancárias uniformizadas, não se esquecendo do pessoal da delegacia. Não. Nem pensar da secretaria da igreja.
Está ele nesse métier quando se flagra a olhar para um dos nove mais antigos sobrados da localidade.
Não. Ali não. Risadin e Coverdin certamente estavam troçando quando citaram aqueles dois exemplos, e por não conhecerem nossa gente não sabiam que nesse sobrado é comum o povão encontrar pessoas probas transitando, algumas da melhor qualidade de nossa cidade”, ele pensa com um sorriso enigmático nos lábios, satisfeito consigo mesmo pela audácia em destacar o prédio como local ideal para seu teste.
Pelo sim, pelo não, decide continuar por continuar em sua pesquisa com a finalidade de encontrar a cobaia perfeita, enquanto assobia uma de suas canções preferidas.
E quem não acredita, grita então
Se gritar “pega ladrão”, não fica um, meu irmão
 Se gritar “pega ladrão”, não fica um
Se gritar “pega ladrão”, não fica um, meu irmão
Se gritar pega ladrão, não fica um
(Salve Bezerra da Silva, Salve Fundo de Quintal)
João Neto

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Crônica (Momento melhor não há)


Risadin cutuca Coverdin. Momento melhor não há.
Os dois se põem em sentinela, e da roupagem circense num piscar de olhos se trajam de terno listrado, camisa branca de manga comprida, gravata borboleta, sapatos brancos com detalhes florais, chapéu de palha com fita colorida. E, na melhor imitação daquele famoso apresentador, microfone preso ao peito, Risadin faz a primeira voz, Coverdin a segunda, cujos canários sons propagam-se pelos alto-falantes dispostos nos cantos do picadeiro imaginário.
Tendo a atenção atraída, as pessoas, além de Godofredo e Hermenegildo, vão se aproximando, se aglomerando, a roda formando. Risadin e Coverdin lá em cima do picadeiro imaginário a se movimentar como estivessem dois mascates a representar.

Se aproximem, circundem este tablado multicolorido. (Risadin e Coverdin gesticulam de maneiras engraçadas, lúdicas).
Senhoras e senhores, nesta mala hermeticamente fechada (daquelas antigas, acomodada em cima de uma mesinha de madeira) num invólucro lacrado encontra-se uma substância que ninguém por aqui ou nas redondezas nunca viu, tocou ou experimentou.
Venham todos, mocinho, mocinha, homem, mulher, idoso, idosa, sangue ruim, sangue bom, criança e criancinha se aproximem sem temor.
Todos nós nos embeveceremos com a substância que alguém um dia ousou o nome falar, mas depois emudeceu e a sete chaves tal nome escondeu no canto mais recôndito de sua alma imaculada. Não se assemelha a sal grosso, nem a sal fino. Não teria cor, mas se a nobreza desejar, se apresenta na coloração que tão distinta casta possa imaginar.
Viajamos por esse mundão e presenciamos acontecimentos que aqui nem ousamos relembrar, o que nos cabe e nos é permitido mencionar é que nos recantos mais inóspitos, nas metrópoles futuristas, encontramos gente desconfiada, gente mal-humorada, gente dissimulada, gente de boa índole, gente indolente, gente assim, gente assado, gente pra todos os gostos e pratos. E gente tal essa gente vimos que nesta cidade se faz presente.
Cheguem mais perto. Não mordemos, nem cuspimos quando falamos. O que trazemos nesta mala (Risadin e Coverdin se colocam ao lado da mesinha e esticam o braço direito em direção à mala, apenas o dedo indicador a apontar) interessa mais que nossa aparência, mais que nossa razão, mais que nossa verdade preeminente.
A substância que traz ao nosso consciente o que nos surpreende sempre.
Cheguem mais perto, fechem a roda, se aproximem sem medo ou temor.  Não somos pestilentos, muito menos maledicentes.
 Desafiamos aquele que beber desta substância misturada com água de coco não comprovar que o que se sucederá não mais vivenciará (dito isso, Risadin e Coverdin se afastam do centro do picadeiro e passam a circundá-lo em passos dançantes, olhando fixamente e francamente a cada um dos presentes, sem piscadelas).
Poderíamos listar aqui mil exemplos. Não faremos isso, pois muitos outros seriam esquecidos, o que não é justo. E prezamos a justiça, divina e humana. Assim apenas dois iremos mencionar.
O político deixou de locupletar e enganar, passando a governar para o povo bem estar. O pregador deixou de se importar da coleta arrebanhar e no cofre particular guardar e ficou apenas a pregar para o vivente o céu alcançar.
E se alguém duvida do que acabamos de falar, que nos sejam trazidos qualquer político ou qualquer pregador desta pequena e bucólica cidade interiorana, e se eles não temerem desta bebericação participar, testemunhará que com eles o mesmo se sucederá.

“Eita! Estavam indo tão bem”, Godofredo e Hermenegildo falam com seus botões e prosseguem no pensar “São brincalhões até os ossos, isso sim”.
Afe! As pessoas até atentavam ao palavreado, mas diante de tamanha desfaçatez, se dispersam. Seria insensatez alguém duvidar, mais ainda acreditar que tal fato extraordinário aconteceria com a simples ingestão de uma substância misturada na água de coco e bebida numa taça de prata.
Quando a praça fica como dantes, e por ficar como dantes, Godofredo e Hermenegildo sentados no banco, curtindo Zé da Truta a cantar baixinho o final da canção.
Quantos anos pode um povo viver sem conhecer a liberdade
Quanto tempo o homem deve virar a cabeça
Fingindo não ver o que está vendo
The answer, my friend, is blowing in the wind
The answer is blowing in the wind
(Salve Diana Pequeno, Salve Bob Dylan, JN)
João Neto

terça-feira, 16 de abril de 2013

Crônica (O barbante da pipa de papel crepom de cor marrom o cerol cortou)


Risadin (olhando em direção ao sobrado): “A réstia só clareia ali segundo Zé da Truta filosofa.”
Coverdin (olhando na mesma direção): “Será? Zé da Truta filosofou “que a réstia passou por ali”, não foi?”
Godofredo e Hermenegildo atentos aos “din”.
Coverdin (concordado): “Isso. Isso. E sobre o  “danado”?
Risadin (também interessado): “Verdade. E o “danado” teria passado antes ou depois?”
Coverdin (com ar professoral): “Sei lá. Cadê Zé da Truta para nos esclarecer tão importante questão filosófica transcendental?”
Risadin (mudando de assunto): “Daqui a pouco ele está de volta. Continuemos. Então aconteceram os encontros secretos do conhecimento de todos, não é o que estão comentando?”
Coverdin (interrompendo): “Encontros onde é questão de honra se fazerem presentes os papagaios oficiais”.
Risadin e Coverdin caem na gargalhada.
Risadin puxa do bolso de trás da bermuda uma caderneta. Folheia, folheia até a página desejada, mostrando para Coverdin as anotações. Nomes próprios e números. Nomes próprios e números.
Coverdin (com ar de surpresa): “Nãooo! Foi assim é? Uma pessoa só se manifestou?
Risadin (com voz de soprano): “E foi por ela”.
Risadin e Coverdin caem na gargalhada novamente.
Aí Godofredo e Hermenegildo não se aguentam. Estavam até aquele momento a se remoer para saber o motivo de tanta risada, e, levados pela ânsia da curiosidade, ficam em pé ao mesmo tempo, caminhando em direção de Risadin e Coverdin.
Risadin e Coverdin estão no picadeiro imaginário armado no centro da praça da matriz.
No meio do trajeto, Zé da Truta surge vindo dos lados da padaria, caminhando com seu gingado peculiar. Do seu jeito alienado, que alguns consideram esperteza, ele interrompe a caminhada dos compadres.
E, ainda mais, atinge o máximo da efervescência a curiosidade de Godofredo e Hermenegildo quando ouvem o cantar baixinho do “filosófo” da pequena e bucólica cidade interiorana.
“Eu quero é botar meu bloco na rua
 Brincar, botar para gemer
 Eu quero é botar meu bloco na rua
 Gingar, pra dar e vender...”
(Salve Sergio Sampaio, JN)
Afe.! Agora danou-se o “danado” e o céu escureceu e a réstia arrefeceu e o barbante da pipa de papel crepom de cor marrom o cerol cortou.
João Neto

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Crônica (Cautela ou bravata?)


Risadin (cauteloso): “Cautela ou bravata?”
Coverdin (audacioso): "Bravata. Quem está na chuva é pra molhar a sola do pé”.
Risadin (citando o autor): “Já dizia Zé de Truta”.
Coverdin(confirmando): “Já dizia Zé da Truta”.
Zé da Truta, conhecido “filosófo” da pequena e bucólica cidade interiorana está sentado entremeio os compadres Godofredo e Hermenegildo, no banco preferido destes dois, na praça da matriz.
Segunda-feira braba. Confusão e mais confusão. A vida continua, a cidade modorrenta como sempre ou pouco mais, pouco menos, dependendo da ótica.
- Risadin saiu da toca – comenta Godofredo.
- É – confirma desinteressado Hermenegildo.
Zé da Truta faz muxoxo à presença mencionada.
- Tá certo, Zé de Truta, tá certo, é isso mesmo – fala Godofredo.
- E Coverdin? Como sempre segue a risca o riscado de Risadin – diz Hermenegildo..
Zé da Truta muxoxa novamente.
- Tá certo, Zé da Truta, tá certo outra vez – concorda Hermenegildo.
Risadin (curioso): “E agora?”
Coverdin (no embalo): “Agora o que se há de fazer...”
Risadin (só no sorriso): "Se ficar, a réstia pega, se correr, o “danado” alcança".
Coverdin (arrematando só no sapatinho): “Quero nada com o “danado” não... quero não, quero não!”
Risadin (ironizando): “E com a réstia?”
Coverdin (imitando os três macacos): “Sem réstia, sem réstia”
Eles caem na gargalhada.
- Riem do que aqueles  dois? – pergunta por perguntar Godofredo.
- Sei lá. Deles mesmos talvez – sugere Hermenegildo.
Zé da Truta só ali, tranquilinho entremeio os dois. Doze segundos depois, sem mais, sem menos, sem aviso prévio, Zé da Truta fica em pé e, sem despedir-se, como é de seu costume, vai se indo com seu gingado e cantando:
- A Tonga da Mironga do Kabuletê, a Tonga da Mironga da Kabuletê, a Tonga da Mironga do Kabuletê... (Salve Toquinho, Salve Vinicius de Moraes, JN)
Godofredo e Hermegildo não entendem bulhufas, mas também não dão muita importância. O interesse deles é nos amalucados Risadin e Coverdin.
Quando eles aparecem alguma coisa acontece.
João Neto