Risadin
cutuca Coverdin. Momento melhor não há.
Os
dois se põem em sentinela, e da roupagem circense num piscar de olhos se trajam
de terno listrado, camisa branca de manga comprida, gravata borboleta, sapatos
brancos com detalhes florais, chapéu de palha com fita colorida. E, na melhor
imitação daquele famoso apresentador, microfone preso ao peito, Risadin faz a primeira
voz, Coverdin a segunda, cujos canários sons propagam-se pelos alto-falantes dispostos
nos cantos do picadeiro imaginário.
Tendo
a atenção atraída, as pessoas, além de Godofredo e Hermenegildo, vão se
aproximando, se aglomerando, a roda formando. Risadin e Coverdin lá em cima do
picadeiro imaginário a se movimentar como estivessem dois mascates a
representar.
Se aproximem, circundem este tablado
multicolorido. (Risadin e Coverdin gesticulam
de maneiras engraçadas, lúdicas).
Senhoras e senhores, nesta mala
hermeticamente fechada (daquelas antigas,
acomodada em cima de uma mesinha de madeira) num invólucro lacrado
encontra-se uma substância que ninguém por aqui ou nas redondezas nunca viu,
tocou ou experimentou.
Venham todos, mocinho, mocinha, homem,
mulher, idoso, idosa, sangue ruim, sangue bom, criança e criancinha se
aproximem sem temor.
Todos nós nos embeveceremos com a
substância que alguém um dia ousou o nome falar, mas depois emudeceu e a sete
chaves tal nome escondeu no canto mais recôndito de sua alma imaculada. Não se
assemelha a sal grosso, nem a sal fino. Não teria cor, mas se a nobreza desejar,
se apresenta na coloração que tão distinta casta possa imaginar.
Viajamos por esse mundão e presenciamos
acontecimentos que aqui nem ousamos relembrar, o que nos cabe e nos é permitido
mencionar é que nos recantos mais inóspitos, nas metrópoles futuristas, encontramos
gente desconfiada, gente mal-humorada, gente dissimulada, gente de boa índole,
gente indolente, gente assim, gente assado, gente pra todos os gostos e pratos.
E gente tal essa gente vimos que nesta cidade se faz presente.
Cheguem mais perto. Não mordemos, nem
cuspimos quando falamos. O que trazemos nesta mala (Risadin e Coverdin se colocam ao lado da mesinha e esticam o braço
direito em direção à mala, apenas o dedo indicador a apontar) interessa
mais que nossa aparência, mais que nossa razão, mais que nossa verdade preeminente.
A substância que traz ao nosso
consciente o que nos surpreende sempre.
Cheguem mais perto, fechem a roda, se
aproximem sem medo ou temor. Não somos
pestilentos, muito menos maledicentes.
Desafiamos aquele que beber desta substância
misturada com água de coco não comprovar que o que se sucederá não mais
vivenciará (dito isso, Risadin e
Coverdin se afastam do centro do picadeiro e passam a circundá-lo em passos dançantes,
olhando fixamente e francamente a cada um dos presentes, sem piscadelas).
Poderíamos listar aqui mil exemplos. Não
faremos isso, pois muitos outros seriam esquecidos, o que não é justo. E
prezamos a justiça, divina e humana. Assim apenas dois iremos mencionar.
O político deixou de locupletar e
enganar, passando a governar para o povo bem estar. O pregador deixou de se
importar da coleta arrebanhar e no cofre particular guardar e ficou apenas a
pregar para o vivente o céu alcançar.
E se alguém duvida do que acabamos de
falar, que nos sejam trazidos qualquer político ou qualquer pregador desta
pequena e bucólica cidade interiorana, e se eles não temerem desta bebericação
participar, testemunhará que com eles o mesmo se sucederá.
“Eita!
Estavam indo tão bem”, Godofredo e Hermenegildo falam com seus botões e
prosseguem no pensar “São brincalhões até os ossos, isso sim”.
Afe!
As pessoas até atentavam ao palavreado, mas diante de tamanha desfaçatez, se
dispersam. Seria insensatez alguém duvidar, mais ainda acreditar que tal fato
extraordinário aconteceria com a simples ingestão de uma substância misturada na
água de coco e bebida numa taça de prata.
Quando
a praça fica como dantes, e por ficar como dantes, Godofredo e Hermenegildo
sentados no banco, curtindo Zé da Truta a cantar baixinho o final da canção.
Quantos anos pode um povo
viver sem conhecer a liberdade
Quanto tempo o homem deve
virar a cabeça
Fingindo não ver o que está
vendo
The answer, my friend, is blowing in the wind
The answer is blowing in the wind
(Salve
Diana Pequeno, Salve Bob Dylan, JN)
João Neto