quarta-feira, 17 de abril de 2013

Crônica (Momento melhor não há)


Risadin cutuca Coverdin. Momento melhor não há.
Os dois se põem em sentinela, e da roupagem circense num piscar de olhos se trajam de terno listrado, camisa branca de manga comprida, gravata borboleta, sapatos brancos com detalhes florais, chapéu de palha com fita colorida. E, na melhor imitação daquele famoso apresentador, microfone preso ao peito, Risadin faz a primeira voz, Coverdin a segunda, cujos canários sons propagam-se pelos alto-falantes dispostos nos cantos do picadeiro imaginário.
Tendo a atenção atraída, as pessoas, além de Godofredo e Hermenegildo, vão se aproximando, se aglomerando, a roda formando. Risadin e Coverdin lá em cima do picadeiro imaginário a se movimentar como estivessem dois mascates a representar.

Se aproximem, circundem este tablado multicolorido. (Risadin e Coverdin gesticulam de maneiras engraçadas, lúdicas).
Senhoras e senhores, nesta mala hermeticamente fechada (daquelas antigas, acomodada em cima de uma mesinha de madeira) num invólucro lacrado encontra-se uma substância que ninguém por aqui ou nas redondezas nunca viu, tocou ou experimentou.
Venham todos, mocinho, mocinha, homem, mulher, idoso, idosa, sangue ruim, sangue bom, criança e criancinha se aproximem sem temor.
Todos nós nos embeveceremos com a substância que alguém um dia ousou o nome falar, mas depois emudeceu e a sete chaves tal nome escondeu no canto mais recôndito de sua alma imaculada. Não se assemelha a sal grosso, nem a sal fino. Não teria cor, mas se a nobreza desejar, se apresenta na coloração que tão distinta casta possa imaginar.
Viajamos por esse mundão e presenciamos acontecimentos que aqui nem ousamos relembrar, o que nos cabe e nos é permitido mencionar é que nos recantos mais inóspitos, nas metrópoles futuristas, encontramos gente desconfiada, gente mal-humorada, gente dissimulada, gente de boa índole, gente indolente, gente assim, gente assado, gente pra todos os gostos e pratos. E gente tal essa gente vimos que nesta cidade se faz presente.
Cheguem mais perto. Não mordemos, nem cuspimos quando falamos. O que trazemos nesta mala (Risadin e Coverdin se colocam ao lado da mesinha e esticam o braço direito em direção à mala, apenas o dedo indicador a apontar) interessa mais que nossa aparência, mais que nossa razão, mais que nossa verdade preeminente.
A substância que traz ao nosso consciente o que nos surpreende sempre.
Cheguem mais perto, fechem a roda, se aproximem sem medo ou temor.  Não somos pestilentos, muito menos maledicentes.
 Desafiamos aquele que beber desta substância misturada com água de coco não comprovar que o que se sucederá não mais vivenciará (dito isso, Risadin e Coverdin se afastam do centro do picadeiro e passam a circundá-lo em passos dançantes, olhando fixamente e francamente a cada um dos presentes, sem piscadelas).
Poderíamos listar aqui mil exemplos. Não faremos isso, pois muitos outros seriam esquecidos, o que não é justo. E prezamos a justiça, divina e humana. Assim apenas dois iremos mencionar.
O político deixou de locupletar e enganar, passando a governar para o povo bem estar. O pregador deixou de se importar da coleta arrebanhar e no cofre particular guardar e ficou apenas a pregar para o vivente o céu alcançar.
E se alguém duvida do que acabamos de falar, que nos sejam trazidos qualquer político ou qualquer pregador desta pequena e bucólica cidade interiorana, e se eles não temerem desta bebericação participar, testemunhará que com eles o mesmo se sucederá.

“Eita! Estavam indo tão bem”, Godofredo e Hermenegildo falam com seus botões e prosseguem no pensar “São brincalhões até os ossos, isso sim”.
Afe! As pessoas até atentavam ao palavreado, mas diante de tamanha desfaçatez, se dispersam. Seria insensatez alguém duvidar, mais ainda acreditar que tal fato extraordinário aconteceria com a simples ingestão de uma substância misturada na água de coco e bebida numa taça de prata.
Quando a praça fica como dantes, e por ficar como dantes, Godofredo e Hermenegildo sentados no banco, curtindo Zé da Truta a cantar baixinho o final da canção.
Quantos anos pode um povo viver sem conhecer a liberdade
Quanto tempo o homem deve virar a cabeça
Fingindo não ver o que está vendo
The answer, my friend, is blowing in the wind
The answer is blowing in the wind
(Salve Diana Pequeno, Salve Bob Dylan, JN)
João Neto