- Num dia chuvoso como esse, o que estamos fazendo aqui na beira do rio?
- Pescando.
- Tá certo, engraçadinho. Eu sei
que estamos pescando.
- Melhor que ficar na casa aporrinhando a família.
- Isso é verdade. Mas que tá monótono, isso tá.
Os dois pescadores estão no barranco do rio, e água que cai do céu.
- Meditemos.
- Para ô. Meditar? Só faltava essa. Faça melhor. Tome um gole de
“branquinha” que isso te fará mais bem que meditar.
Cada qual no seu lugar preferido, eles estão debaixo de barracas
improvisadas com lonas. E o aguaceiro só diminuindo.
- Sabe quem irá ficar igualzinho esse aguaceiro?
- Quem?
- Vem não! Sabe muito bem quem.
- Ué! Quem perguntou aqui?
- Eu.
- Então. Perguntou já tendo a imagem da pessoa na cabeça.
- Pessoas.
- Pessoas?
E o aguaceiro diminuindo.
- Tá puxando aqui – e o pescador dá aquela caprichada na chasqueada –
Eita azar! Perdi.
- A isca ainda tá aí?
- Tá.
- Bem iscada?
- Firme.
- Então o mesmo peixe irá abocanhar a isca novamente.
E o aguaceiro diminuindo.
- O mesmo peixe?
- É.
- O mesmo peixe. Tá certo. Tantos anos pescando contigo e não consigo
entender essa sua mania.
- Não tire o olha da ponta da vara. Acredite, é o mesmo peixe.
- Acredito, acredito – a afirmativa é na gozação mesmo.
- Tire sarro, tire.
- De novo. Tá puxando.
Desta vez o peixe surge pendurado na linha, preso pela bocarra.
- Traíra?
- Traíra.
- Não te disse.
- Ninguém vai acreditar.
Enquanto o pescador tira o anzol da boca da traíra com cuidado, seu
companheiro de pescaria o observa sentado comodamente no banquinho.
- Dá pra ver a marca da primeira fisgada? – pergunta interessado.
O pescador olha com bastante atenção pra traíra se debatendo entre as
pedras de gelo da caixa de isopor.
- Não vi nada.
- Olha bem, olha bem.
O aguaceiro parou. O céu continua carrancudo.
- Realmente. A traíra está com dois rasgos na boca – a voz com entonação
de reconhecimento pelo acerto do companheiro. Sorte, presumivelmente.
- Não disse – esta voz por sua vez
soando catedrática.
(João Neto)