segunda-feira, 1 de abril de 2013

Crônica (Só podia. Só podia.)


- Minha vez. A cidade está sendo governada com competência e humildade.
- Os edis são produtivos e lutam por benefícios aos munícipes, não distinguindo cor, religião, idade, posição social e filiação partidária.
- Eu, eu. Os casais ficam juntos pra toda vida.
- Boa. Outra: os jovens têm diversão à beça.
- Isso mesmo. Há lazer e cultura para todas as idades e para todas as intelectualidades. Os idosos são considerados prioridade, assim como as crianças.
- Não existem usuários de drogas e nem traficantes em cada bairro, nem apontadores do bicho em cada esquina, e os maengas são atuantes e competentes.
- As ruas estão bem cuidadas, asfaltadas, limpas, as praças arborizadas. O cuidado pelo ambiente é exemplo de sustentabilidade, igual esse céu de anil.
- As escolas primárias ensinam, as crianças aprendem.
- Os adolescentes são estudantes aplicados, os professores dedicados.
E a conversa continua.
- Na política acabou o coronelismo e o clientelismo.
- Isso, isso.
- A cidade possui o melhor padrão de saúde que se possa merecer.
- Idem no esporte. Muita, muita, prática esportiva.
- “Mens sana in corpore sano”, salvo engano.
A roda começa chamar a atenção dos transeuntes.
- A minha, a minha. Os universitários não fazem sacrifícios para concluírem seus estudos e depois de formados inserem-se no mercado local imediatamente, onde o emprego é farto e o salário digno.
- Não há inflação.
- Não vale. É só daqui da cidade.
- Tá certo. Os estabelecimentos comerciais não majoram os preços dia sim, outro dia também. E os patrões são solidários com os empregados.
- Boa. Idem aos funcionários públicos.
- A água nas torneiras é da melhor qualidade.
- E o esgoto é tratado e debaixo da terra é material de primeiríssima.
De repente, sirene de todos os lados. A roda de pessoas sentadas no meio da praça em frente ao paço municipal é cercada abruptamente por uma dezena de homens fardados e sem farda. Dali a pouco estão elas lá em pé, lado a lado, caladas, a disposição da autoridade.
Doze pessoas. Seis homens, seis mulheres.
- Aos costumes - determina a intolerante autoridade.
Uma hora depois, a esbravejante autoridade manda o sossegado funcionário espiar como se comportam os recolhidos na celinha e as recolhidas no quarto escuro.
- Doutor, doutor – ofegante, o funcionário entra na sala todo apavorado.
- O que foi? – pergunta a irritadiça autoridade.
- Sumiu todo mundo.
Corte rápido.
Hermenegildo pergunta inesperadamente para Godofredo.
- Que dia é hoje?
- 1º de abril.
- Pois é – complementa maliciosamente.
Os dois compadres sentados no banco predileto da praça da matriz da pequena e bucólica cidade interiorana continuam a observar aqueles seis anões e aquelas seis anãs em trajes íntimos descendo numa desabalada carreira lá dos lados do prédio da delegacia, tomando rumo ignorado em pleno meio-dia.
- Agora entendi! – exclama Godofredo, caindo a ficha -  Hoje é 1º de abril. Só podia. Só podia.
Hermenegildo deixa escapar um sorrisinho malandro.
 
(João Neto)