segunda-feira, 29 de abril de 2013

Crônica ("Total falta de assunto")


O visitante escreve sobre “total falta de assunto”.
Sentado tranquilamente no balcão da padaria localizada na região central da pequena e bucólica cidade interiorana, saboreando um café expresso acompanhado de pão com manteiga na chapa, num guardanapo de papel com a caneta esferográfica emprestada pela simpática gerente, escreve suas considerações sobre tão relevante tema.
A gerente e a balconista cuidando de suas obrigações, de quando em quando dão uma olhadela em direção ao viajante. Boa aparência, vestuário simples, fisionomia comum, de poucas palavras,  é a nona vez – contagem delas -  que senta no mesmo banco, no mesmo canto do balcão, sem pressa em beber o café e mordiscar o pão, pra depois levantar, devolver a caneta e despedir-se com um aceno da funcionária que o atendera, passar pelo caixa, pagar a despesa, despedindo-se da gerente, indo embora sem dica pra onde.
Ora, o que existiria de diferente nesse sujeito? Simples, na visão dessas funcionárias. Nas oito ocasiões anteriores, como aquela, escreveu num guardanapo de papel, esquecendo-o sobre o balcão.  Nove vezes, nove escritos.
A gerente de olhos verdes inicia a leitura do guardanapo daquela manhã, trazido pela sorridente e esperta balconista, que fica ao seu lado, curiosa.
Nos últimos dias paira no ar uma total falta de assunto. Algumas pessoas sentem-se incomodadas nessa situação, pois, em tais momentos, as rodinhas de bate-papo na praça da matriz, nas esquinas, nos gabinetes, no intervalado das aulas, nas salas das repartições, nos estabelecimentos comerciais, nas agências bancárias, nas casas, nas alcovas, no cafézinho, no ponto de táxi, não conseguem ajuntar as palavras numa frase coerente, e o silêncio desse alarido é desconcertante pra elas.
A eficiente gerente cuidadosamente dobra o guardanapo, guardando-o na gaveta juntamente com os oito parelhos. Esse segredo é dividido entre ela e a sorridente colega que está a atender uma freguesa.
Elas trazem vivo na memória o escrito do dia anterior.
O fofoqueiro fala pelos cotovelos, conforme a lenda, sem se importar com a coerência. Apenas quer falar. Alguns fofocam com os familiares, outros no local de trabalho, outros nas repartições públicas, etc... É certo que são encontrados em qualquer ambiente. Dizem maliciosamente que apenas “comentam sobre a vida alheia”. Aceitável, mas há os fofoqueiros-mor. Homens e mulheres, em qualquer idade, em qualquer segmento social. E dentre esses profissionais do mexerico, os que mais proliferam são os fofoqueiros bajuladores. Mas é assunto pra outro dia

João Neto