quarta-feira, 10 de abril de 2013

Texto (A história que nunca foi contada)


(continuação)
DOIS
O céu de anil escurece coberto de nuvens escuras que surgem repentinamente. Troveja. Relampeia.
 - Ninguém arreda o pé – a voz feminina imperativa.
E desnecessária, pois a adolescente de óculos e cabelos aloirados está trazendo a pequena caixa nas mãos em direção à multidão.
A cratera ainda esfumaçando no meio da rua de paralelepípedo é desapercebido detalhe. A curiosidade está se transmudando em emoção, comoção.
O silêncio agora é mais que sepulcral, é transcendental.
Consta nos anais da história e nas conversas dos aposentados na praça da matriz da pequena e bucólica cidade interiorana que alguém, não se sabe quem, ousou fotografar esse momento com seu telefone celular de última geração.
Aí a coisa fica feia. Cai um dilúvio. E um raio acerta a cratera em cheio.
A dispersão da multidão é uma confusão só. As autoridades eclesiásticas e outros religiosos afins oram pra que possam se salvar incólumes.  As autoridades civis e militares no salve-se quem puder desde que sejamos nós os primeiros, como sempre. Por fim,  todas as camadas sociais que ali se fazem representadas estão em pé de igualdade. Ou seja, correm pra direção que o nariz aponta. Seja o que Deus quiser!
Pandemônio.
Dois segundos depois a rua está vazia. Na verdade, não totalmente vazia. Apesar da chuva torrencial, trovoadas e relâmpagos no céu, a adolescente de óculos e cabelos aloirados está ali paradinha, molhadinha, segurando a pequena caixa firmemente nas mãos, e por alguma razão que só o instinto pode explicar o cão vira-lata ao seu lado.
Por algum motivo começa a latir em direção à cratera.
De lá surge um ente esquisitamente trajado protegido do aguaceiro por um guarda-chuva diferente. O vira-lata continua latindo e a adolescente de óculos e cabelos aloirados fica a observar aquele ente vestido coloridamente girando o guarda-chuva nas cores do arco-íris caminhando lentamente num gingado malemolente em sua direção.
Não sente medo.
Quanto mais o ente se aproxima as negras nuvens se afastam aos poucos, não mais trovoa, não mais relampeia, a tempestade diminui, diminui, diminui.
Como num passe de mágica a rua de paralelepípedo está seca, perfeita, e o céu de anil surge resplandecente.
- Oi – meigamente a adolescente de óculos e cabelos aloirados o cumprimenta.
(continua)
(João Neto)