(continuação)
SEGUNDO
Dito Mensura, Mário Coceira, padre Amílcar,
Rosinha, Chico Estrondo
Dia seguinte. Domingo outonal.
Padre Amílcar dá a benção,
encerrando a missa das nove.
Deixando o interior da
igreja matriz, os fiéis se dispersam, alguns em direção à feira livre na rua ao
lado, à padaria do outro lado, outros rumando até os carros estacionados,
outros rodeando o carrinho de pipoca, a barraca de pastéis, outros se aproximam
do palco da praça em frente onde a banda municipal se prepara para a
apresentação.
Dito Mensura e Mário
Coceira conversam sentados num dos bancos da praça, observando os netos acompanhando
o espoucar de pipocas enquanto esperam a vez de serem atendidos pelo velho
pipoqueiro.
Na sacristia padre Amílcar
desveste a túnica, auxiliado por Rosinha, solteira por opção e beata por vocação,
enquanto medita sobre a frequência cada vez menor dos fiéis nas celebrações
litúrgicas. O que gera diminuição na coleta, tornando-se necessária a busca de
recursos em outras fontes. O que faz surgir outra questão, a proibição do bispo
diocesano de bebidas alcoólicas nas quermesses e festa do santo padroeiro. E,
sem cerveja, diminuição da arrecadação.
- Isso não é nada bom,
nada auspicioso – lamenta Dito Mensura, acompanhado no lamento por Mário Coceira,
os dois homens de olho nos netinhos brincando de correr pelas alamedas,
derrubando pipoca dos saquinhos por onde passam.
Os jovens músicos afinam os
instrumentos.
- De modo que se fazem
urgentes e necessárias as devidas providências – se manifesta firme e forte Dito
Mensura, acompanhado diligentemente por Chico Coceira, os dois homens na
vigilância dos netinhos e na observância dos preparativos da banda.
As pessoas se aglomeram na
frente do palco e pelos bancos ao seu redor.
- Fazer o quê? – a conformação
de Dito Mensura é acompanhada por Chico Coceira.
Os dois homens ficam em
pé, pois o ajuntamento de gente impede a visão do palco e vigilância mais
atenta dos netinhos, a quem chamam e eles imediata e obedientemente se colocam
ao lado dos avôs, a banda municipal preparada para o início da retreta.
Padre Amílcar do alto da
escada perscruta a praça. Ao seu lado a tesa e temente Rosinha. Mais de metade
daquelas pessoas, senão dois terços, não estão frequentando semanalmente a
missa. Fica absorto no ofício de identificar no meio daquelas ovelhas as mais
desgarradas ultimamente. Fiéis semestrais, fiéis televisivos. Ele ri.
O olhar do jovem religioso
acompanha o caminhar ombro a ombro de Dito Mensura e Mário Coceira, ladeados
pelos festivos netos.
- Interessante, Rosinha,
muito interessante.
A beata segue a direção do
olhar do pároco, mas se detém na pessoa de Chico Estrondo, doce ilusão do
passado, ácida realidade do presente, em pé, encostado no poste de uma das
luminárias.
O objeto da disfarçada querença
até prestara atenção naquelas duas figuras no topo da escadaria frontal da
igreja, principalmente Rosinha por quem ainda nutre sentimento nascido em acontecimentos
que ficaram num passado distante, mas o fato de Dito Mensura e Mário Coceira
estarem caminhando juntos na presença de tanta gente, fato raro, despertara
ainda mais sua curiosidade já devidamente aguçada com a praça tão movimentada.
A banda inicia os
primeiros acordes do hino nacional. Ao término, aplausos dos espectadores mais
próximos ao palco, certa indiferença daqueles mais distantes. Em seguida, orgulhosamente
executa o hino municipal.
O céu azul e claro
abrilhanta ainda mais o domingo de outono. A paz e a tranquilidade preenchem cada
canto da praça, das ruas, das casas, enfim, de toda a cidade, além dos campos
verdejantes.
As pessoas aplaudem a
interpretação do hino composto por uma das melhores mentes da pequena e bucólica
cidade.
João Neto
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