terça-feira, 14 de maio de 2013

Texto II (O azar do venturoso Cidinho, o sorveteiro)


(continuação)

SEGUNDO


 Dito Mensura, Mário Coceira, padre Amílcar, Rosinha,  Chico Estrondo

Dia seguinte. Domingo outonal.
Padre Amílcar dá a benção, encerrando a missa das nove.  
Deixando o interior da igreja matriz, os fiéis se dispersam, alguns em direção à feira livre na rua ao lado, à padaria do outro lado, outros rumando até os carros estacionados, outros rodeando o carrinho de pipoca, a barraca de pastéis, outros se aproximam do palco da praça em frente onde a banda municipal se prepara para a apresentação.
Dito Mensura e Mário Coceira conversam sentados num dos bancos da praça, observando os netos acompanhando o espoucar de pipocas enquanto esperam a vez de serem atendidos pelo velho pipoqueiro.
Na sacristia padre Amílcar desveste a túnica, auxiliado por Rosinha, solteira por opção e beata por vocação, enquanto medita sobre a frequência cada vez menor dos fiéis nas celebrações litúrgicas. O que gera diminuição na coleta, tornando-se necessária a busca de recursos em outras fontes. O que faz surgir outra questão, a proibição do bispo diocesano de bebidas alcoólicas nas quermesses e festa do santo padroeiro. E, sem cerveja, diminuição da arrecadação.
- Isso não é nada bom, nada auspicioso – lamenta Dito Mensura, acompanhado no lamento por Mário Coceira, os dois homens de olho nos netinhos brincando de correr pelas alamedas, derrubando pipoca dos saquinhos por onde passam.
Os jovens músicos afinam os instrumentos.
- De modo que se fazem urgentes e necessárias as devidas providências – se manifesta firme e forte Dito Mensura, acompanhado diligentemente por Chico Coceira, os dois homens na vigilância dos netinhos e na observância dos preparativos da banda.
As pessoas se aglomeram na frente do palco e pelos bancos ao seu redor.
- Fazer o quê? – a conformação de Dito Mensura é acompanhada por Chico Coceira.
Os dois homens ficam em pé, pois o ajuntamento de gente impede a visão do palco e vigilância mais atenta dos netinhos, a quem chamam e eles imediata e obedientemente se colocam ao lado dos avôs, a banda municipal preparada para o início da retreta.
Padre Amílcar do alto da escada perscruta a praça. Ao seu lado a tesa e temente Rosinha. Mais de metade daquelas pessoas, senão dois terços, não estão frequentando semanalmente a missa. Fica absorto no ofício de identificar no meio daquelas ovelhas as mais desgarradas ultimamente. Fiéis semestrais, fiéis televisivos. Ele ri.
O olhar do jovem religioso acompanha o caminhar ombro a ombro de Dito Mensura e Mário Coceira, ladeados pelos festivos netos.
- Interessante, Rosinha, muito interessante.
A beata segue a direção do olhar do pároco, mas se detém na pessoa de Chico Estrondo, doce ilusão do passado, ácida realidade do presente, em pé, encostado no poste de uma das luminárias.
O objeto da disfarçada querença até prestara atenção naquelas duas figuras no topo da escadaria frontal da igreja, principalmente Rosinha por quem ainda nutre sentimento nascido em acontecimentos que ficaram num passado distante, mas o fato de Dito Mensura e Mário Coceira estarem caminhando juntos na presença de tanta gente, fato raro, despertara ainda mais sua curiosidade já devidamente aguçada com a praça tão movimentada.
A banda inicia os primeiros acordes do hino nacional. Ao término, aplausos dos espectadores mais próximos ao palco, certa indiferença daqueles mais distantes. Em seguida, orgulhosamente executa o hino municipal.
O céu azul e claro abrilhanta ainda mais o domingo de outono. A paz e a tranquilidade preenchem cada canto da praça, das ruas, das casas, enfim, de toda a cidade, além dos campos verdejantes.
As pessoas aplaudem a interpretação do hino composto por uma  das melhores mentes da pequena e bucólica cidade.

João Neto

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