A eficiente gerente e a bela balconista da
padaria localizada na região central da pequena e bucólica cidade interiorana conversam
distraidamente sobre as festividades do dia anterior, feriado de 1º de maio. Sobre o balcão do caixa onde se encontram está aberto o quinto guardanapo de papel escrito
pelo visitante.
O caciquismo na
política local é manifesto. No mundo atual, o caciquismo é anacrônico. Aqui não. De tempos em tempos mudam os
caciques, apenas.
Como em tantos
outros municípios semelhantes, neste um dos maiores empregadores, se não o
maior, é o poder público. Assim também
acontece em sua economia, onde o montante de dinheiro circulante advém desse
poder.
Ontem, no
entardecer, deparei-me com duas pessoas conversando na praça de certo bairro de
classe média. Sem ser percebido por alguns minutos, o diálogo que desenrolava
me pareceu interessante, não que trouxesse uma máxima irretocável. Não entendi
o motivo deles se calarem ao notar minha presença, mas o que pude captar me
pareceu suficiente., claro, considerando que as informações coletadas foram concebidas pelos dois simpáticos e
sociáveis conversadores.
Na vida cotidiana
desta cidade existiriam quatro poderes invisíveis, ocultos aos olhos dos mais
simples, inacessíveis à maioria esmagadora de seus habitantes, numa proporção
que chega a 99,99% mais 0,0099%.
Um deles seria a
maçonaria. Estranhei os conversadores sussurrarem essa palavra, temerosos, como
os antigos se referiam ao câncer.
Outro seria certa
religião, cujos fiéis seguem a máxima “irmão
é o batizado, os demais são criaturas de Deus”, os conversadores ressaltando
que “religião não se discute”.
O terceiro poder
seria o setor terciário, com maior enfoque
no comércio informal. Os conversadores insinuaram que fazem suas compras em
cidades vizinhas, ou algo assim.
O quarto seria o chamado
“mundo” das drogas ilícitas e aqueles que gravitam em torno dele. Os
conversadores deixaram entrelinhas sua origem e os motivos de não ser compelido
à sua devida punição.
Pareceu-me que aquelas duas pessoas tratavam
esse assunto de poderes ocultos como se participa de um churrasco entre amigos.
Incrível.
Ora, se assim
acontece, fica compreensível o “eterno” caciquismo, que se nutre das consequências nefastas
desse ambiente e, como cobra peçonhenta, envenena-o utilizando-se desses
atributos, ou poderes ocultos, para se apresentar maliciosamente como seu antídoto
mais eficaz. Ingerência do poder público
na economia e na geração de empregos somada a esses poderes ocultos, ambos sob a tutela do caciquismo, traz a lume a questão: “E o povo?”
Ora, pelo que se
vê, tais próceres enviesados apregoam "ao povo diversão e pão”, enquanto se fartam de manjares, enfastiados da realidade e acomodados confortavelmente em camarotes dourados.
- Quem escreveu isso?
A pergunta de supetão feita pela freguesa
mais habitual do estabelecimento faz com que a gerente instintivamente empurre
às pressas o guardanapo pra dentro da gaveta, fechando-a.
- Escreveu o quê? – ela pergunta à senhorinha
de coque.
Indiferente ao ar estupefato da moça de olhos
verdes e sem se importar com o riso da bela balconista, a senhorinha, que há alguns
minutos aguardava em frente ao caixa, entrega o tíquete e o dinheiro na quantia
exata da despesa, um exemplar delicioso de pudim de pão, despedindo-se com um
aceno de mão, cruzando a rua vagarosamente, enquanto o motorista do único e
grátis ônibus circular aguarda que termine a travessia.
João Neto
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