quarta-feira, 1 de maio de 2013

Crônica (A gerente e o sexto)


                  A qualquer visitante que ande pelas ruas desta pequena e bucólica cidade interiorana, é certo que note no semblante de muitos de seus cidadãos o aspecto condizente a certa alienação em relação aos acontecimentos à sua volta, ou mais próximos ou mais longínquos, absorvidos talvez pela constante labuta e pelos afazeres domésticos diários.
Nessa caminhada constate que a maioria de seus moradores mais proeminentes aqui não é nascida, tendo chegado e se estabelecido no comércio, em cargos públicos, participando  ativamente de sua vida social e política, muitos deles com certo destaque, e mesmo dentre os muitos profissionais liberais que aqui assentam praça (engenheiros, dentistas, advogados, e tantos outros, médicos principalmente) percebe-se essa maioria, vamos assim mencionar, “estrangeira”.
Fácilmente perceba que grande parcela de seus diletos filhos se foi muito cedo, a procura de melhores empregos e estudo e de melhores condições de vida em outras cidades, vizinhas ou distantes, e por aqui são vistos quando em visita a parentes, principalmente em feriados prolongados. Por aquelas plagas constituíram família, se fizeram vencedores em menor ou maior grau, mas raramente retornam em definitivo para sua cidade natal, mesmo diante do ditado mencionado pela balconista a um freguês, “quem bebe água da biquinha volta sempre”.
O café expresso servido por ela é muito bom.
Alguns acontecimentos nos deixam perplexos. E essa perplexidade nos faz silenciar e conversar apenas com “nossos botões”, até para não contrariar tão bela jovem. As autoridades constituídas em todos os segmentos, eleitas ou por merecimento, aparentemente não se esforçam em reter os talentos nascidos nesta cidade. Não oferecem a esses jovens e a essas jovens  motivação necessária para não buscar outros centros mais desenvolvidos; nem  oportunidade de, em ficando, no transcorrer do tempo inovar positivamente as práticas política, comercial, empresarial, industrial, educacional deste município, favorecendo assim seus conterrâneos. Um círculo vicioso. Quem decide “ir embora” o faz sem titubear, sem pestanejar, sem olhar pra trás. Quem fica, pouco contribui para modificar esse quadro, até porque se tentar, normalmente é deixado de lado, torna-se inconveniente para essas “autoridades” constituídas.
Vou pedir mais um café expresso.
A eficiente gerente termina a leitura do sexto guardanapo escrito pelo viajante cujo nome até este momento lhe é ainda desconhecido, leitura que fez com tranquilidade em razão do baixo movimento de fregueses por causa do feriado de 1º de maio, dobrando-o e pondo-o no bolso do avental, retornando ao seu posto junto ao caixa, recolocando-o na gaveta junto aos outros oito.
João Neto