terça-feira, 30 de julho de 2013

Crônica (Caminhada com meu amigo 7-1)



Meu amigo 7-1, por algum motivo que foge à minha parca compreensão – gostou do adjetivo? – poucas pessoas estão coléricas porque muitas estão cromosféricas. Coléricas, não histéricas, ora bolas.
Quais pessoas?
Pergunta fácil de responder. Mas não responderei.
Convido-o a acompanhar-me pelas ruas dessa pequena e bucólica cidade interiorana onde residimos.
Pois bem.
...
Nessa hora de caminhada passamos por muitas ruas, e chegamos nesta rua pensa desta vila populosa quanto aprazível, bastante visada por nove entre dez ávidos dessa folia cívica instalada em nossa urbe.
Prestou atenção? Notou?
Exatamente.
...
Meu amigo 7-1, nem sempre a realidade é da cor que os desavisados a pintam em seus devaneios.
A realidade tem tonalidade própria que mistura tantas cores nunca antes percebidas que até parece irreal, segundo Zé da Truta, “filosófo” e beberrão emérito dessa nossa cidade.
Continuemos nossa caminhada.
...
 Oi?
Aquele sujeito na maior "pavonice" na calçada em frente à casa que até dias atrás nem ao menos um daqueles que ora se encontram lá sabia de sua existência? Acertou. É ele mesmo. Continua na mesma toada. Trovoa daqui, trovoa de lá, mas é desanuviado de ideias. Assim, não molha a terra, não faz germinar sementes, não frutifica. Trovoa.
O vento sereno que veio do norte leva o som de trovoar tão retórico assim para outras plagas.
...
Aquele outro ao lado dele? Qual dos dois? Ah, sim.
Meu amigo 7-1, te conto uma fábula que ouvi da boca de nosso “filosófo” Zé da Truta num dos seus momentos de êxtase infantil.
Dois leões disputavam o trono. Os outros animais não se importavam qual se tornaria rei, pois a lei da floresta prescrevia a existência de um rei, logo, que restasse daquela contenda o rei.
A disputa entre os dois felinos se dava no rugido. Quem desistisse de rugir, perderia.
Aí é que está. Entre o final do entardecer e o início do anoitecer, a clareira esvaziou-se, pois os animais de hábitos diurnos se recolheram para descansar e os animais de hábitos noturnos foram à luta. Instinto, simples instinto.
Os dois pretendentes ao trono rugiam a pleno pulmão e assim permaneceram até o exato momento entre o final da noite e início do dia. Cansados e sozinhos, rugiram ao mesmo tempo pela última vez e saíram cada um pra um lado, determinados a descansar porque nem o leão é de ferro.
Entendeu?
...
Tá certo. Esse sujeito é a simbiose daqueles dois leões.  Ei, que tal uma cerveja, apesar do frio? Eu pago.
...
Vamos então. Qual seu bar preferido?
João Neto

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Crônica (Palavras ao meu amigo 7-1)



Muita atenção, 7-1, agora está em nossas mãos.
O que foi feito, foi. O que se falou, ora, se falou. Se tudo fosse cumprido, no futuro seria mera história de promessas não cumpridas num passado remoto, presente que hoje fazemos. Aliás, aqueles que conhecem nossa história sabem que nem tudo, ou quase nada foi comprido do prometido em ocasiões semelhantes a essa que vivemos.
Fique atento, 7-1. O movimento das pessoas é que nos possibilitará entender os motivos das peças estarem sendo movimentadas dessa maneira nesse intrincado jogo de xadrez. Na verdade, um jogo simples se atentarmos a quem o joga.
Jamais teremos acesso, 7-1,  aos bastidores, aos segredos de alcova, às conversas ao pé do ouvido, às decisões ocultas.
Sempre foi assim, e continuará sendo. Eu e você, 7-1,  fomos etiquetados como massa de manobra. Podemos ficar indiferentes, coçar a frieira dos dedos do pé direito, mas que somos massa de manobra, 7-1, é inegável.
Talvez se nossos nomes fossem lidos pelo transeunte no concreto da calçada da principal rua do centro da nossa pequena e bucólica cidade, talvez se nosso apelido fosse destaque nos balões que circulam por esse céu de três cores que contemplamos em dia de sol, talvez se nas lousas digitais em letras coloridas surgisse nossa história para que os pequeninos a recitasse, nós seríamos considerados, chamados de senhores, quiça patrão, e por que não de cidadão.
Porém, 7-1, no momento nos etiquetaram como massa de manobra. Um ou outro até nos chamam de "filho" - talvez não saibam que somos órfãos.
Brademos nos balcões do boteco, no corredor da feira livre, nos bancos da praça, em todo e qualquer lugar, no canto mais escuro, ou no salão festivo mais iluminado, que temos título. Dez números e dois dígitos que, naqueles breves segundos que nosso dedo indicador tecla, 7-1, nos tornam iguais.
Momento mágico, não é?
Então, façamos valer  nossa cidadania. Não importa se da periferia ou do cantão mais rico desta cidade. Cidadania.
Não deixemos que a escuridão ofusque a claridade.
Como mencionado, 7-1, agora está em nossas mãos.
Nestes poucos dias que restam nos sufocarão com mensagens, conversarão amistosamente conosco (pela primeira vez, é certo),  como também é certo que nos cumprimentarão efusivamente,  e, se ao nosso lado estiverem outras pessoas, nos abraçarão e seremos fotografados, e na foto perceberemos o sorriso treinado em frente ao espelho do banheiro. Que não seja tarde!
O que sei, 7-1, é que os olhos não mentem, nem escondem o que se passa no coração de cada um deles.
E encarei aqueles olhos. Senti frio na espinha, mas encarei.
Agora está em nossas mãos. Em 107 segundos podemos mudar o destino de nossa cidade. Pra melhor ou pra pior.
Não sou muito de ir à igreja, e sei que você, 7-1, muito menos.
Porém, não devemos temer em afirmar que Deus, em sua infinita sabedoria, prepara algo de bom pra nossa pequena e bucólica cidade interiorana. Ele não nos abandonaria, pois não demos causa ao que acontece neste rincão azul.
Os sinais estão aqui, numa nuance nunca antes testemunhada.
João Neto

domingo, 28 de julho de 2013

Poesia (Doce Som)



Doce som!
Traz em si maravilhas de Deus.
Caminhava eu por estrada sem fim,
Distante do Amor, distante de mim.

Doce som!
Mostrou-me as maravilhas de Deus.
Braços aos céus agora eu louvo,
Lágrimas nos olhos, louvo minha redenção.

Eu estava sem norte.
Apostava minha vida, jogava com a sorte,
Fiz da miséria meu trapézio,
Minha fé simples vitupério.

Doce som!
Palavras sábias inundaram meu espírito,
Melodias resgataram minha alma à razão.
Maviosa voz que me cativou.

Doce som!
Meus joelhos tocaram o chão e orei,
Em meu coração habitou
E em paz desde então estou.
João Neto
                                                                                                                                         

sábado, 27 de julho de 2013

Poesia (Espirito Vagante)



O que és não vem à superfície
Do rio caudaloso
Que seca antes de alcançar o mar.
Semelhante destino de mil faces,
Nuvem formatada a avessa
Pelo vento frio do sul.

Da imensidão incubo cônsul.
O que és a labareda clareia,
Palha seca avivando a lareira
Da pensão do fim do mundo

Nessa sina de sombra que cintila,
Noite e dia és da solidão companhia. 
João Neto

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Conto (A visita)



Tendo ele quatro anos de idade, sua família transferiu definitivamente residência para a capital do estado vizinho, onde, depois de muita luta, estabilizou-se financeiramente.  Ele, então, passou sua infância,  adolescência, juventude, maturidade, graduou-se, casou, e, agora, visita pela primeira vez desde então aquela pequena e bucólica cidade interiorana onde nasceu cinquenta anos atrás. Sua esposa o acompanha, os filhos ficaram na companhia dos avós.
Por mais que insistisse, seus pais não quiseram acompanha-los, preferindo o sossego do apartamento e a companhia dos netos.
Filhos únicos, eles não mais mantiveram contato, bem como nunca mais retornaram, nem em visita. Assim, provavelmente foram esquecidos pelos poucos parentes. Quando deixaram a cidade, os pais tinham falecido, e pela petição de miséria que se encontravam nenhum deles fizera questão de despedir-se.
- Tua mãe nunca me deixou olhar as fotos que ela guarda naquela caixa de papelão.
Ele e a esposa estão sentados na praça em frente à igreja matriz. As fotos mencionadas por ela não inteiram meia dúzia, porém, sua mãe as guarda como relíquias, ninguém tem autorização para bulir nelas.
- Talvez não tenha chego o momento – ele afirma.
- Talvez – concorda sua esposa.
Estão saboreando delicioso sorvete de massa, sabor cereja, comprado na sorveteria localizada na esquina da praça. Palácio do Sorvete, nome sugestivo.
- Você também nunca me disse o que as fotos retratam...
Ele está na última colherada da deliciosa iguaria.
- Nunca – ele confirma a afirmativa da esposa.
Quando saíram da sorveteria e caminharam até o banco debaixo da árvore mais frondosa da praça, conversavam sobre lembranças e as poucas que ele poderia ter daquela cidade poderiam estar registradas naquelas fotos, pois em sua memória não trazia nenhuma.
- Mas agora não tem desculpas, não é?
- É – ele, discreto sorriso nos lábios, responde.
Ela também sorri. Trinta anos de convivência fizeram com que soubesse pela expressão dos olhos, por um simples gesto, o que está se passando no íntimo do esposo.
Duas horas da tarde. Apesar do sol brilhando no céu com poucas nuvens, o frio retorna aos poucos, indicando que a noite a temperatura novamente se aproximará do zero grau.
- Vamos conhecer o interior da igreja – ele propõe.
- Vamos – ela aceita o convite.
O casal se levanta, caminhando lentamente em direção da escadaria frontal do prédio com suas duas torres pintadas em tom pastel.
- Quem são eles? – a pergunta de Zé Louco para Tonho Munheca é pertinente, pois estavam a observar o casal a mais de dez minutos e até aquele momento não tinham atinado de quem se tratava.
- Pois também tô matutando aqui: quem são eles? – replica Tonho Munheca – Duvido que sejam de alguma família daqui, senão eu já teria descoberto, mas talvez sejam dessa gente nova que está mudando prá cá de uns tempos pra cá.
- Ora, se fossem, um dia ou outro os teríamos visto aqui pelo centro da cidade, não é? – argumenta Zé Louco.
- E não é! – concorda Tonho Munheca – Pensando bem, possuem um quê dos Almeida, não é?
- Não vejo traço dos Oliveira.
- O jeito de andar do sujeito lembra eles.
- E não é que lembra. Andar meio sossegado, pernas curvas e abertas, calcanhar juntados.  
- Por outro lado, é mais alto que qualquer deles. E bem mais magro. E não é careca. Sei não.
- Isso é. Gente dos Bastos?
- Dos Bastos? Humm, hummm... Nada a ver.
- A mulher não é daqui, nem parente de gente daqui, isso tenho certeza.
- Pode ser, pode ser. Mas ela não te lembra da matriarca dos Cintra?
- ... Hummm, hummmm... Não é que lembra?
Quanto o casal adentra pela porta principal da igreja, os dois compadres retornam ao assunto que tratavam.
- Tá chegando o dia.
- É.
Nesse momento se aproxima o Chico Dente, moço solteiro e atualmente desempregado, que todas as tardes comparece na praça, pois gosta de prosear com os aposentados que sempre estão por ali, se inteirando das últimas fofocas da cidade.
- Tarde.
- Tarde – responde Zé Louco.
- Boa tarde – responde Tonho Munheca.
Chico Dente sem cerimônia senta entre os dois compadres.
- Tá chegando o dia – fraseia só pra puxar assunto.
- E não é – diz Zé Louco.
- Pois é – confirma Tonho Munheca.

(continua)

João Neto