Naquele
canto do mundo a vida acontece mais ou menos assim em seu cotidiano, ou seja, conversa
vai, conversa vem, papo vem, papo vai. Não que o pessoal fofoque, ou como dizem,
“falem da vida al...”
-
Como isso? Não acredito!! – a reação
imediata de Mariazinha ao que lhe contava Terezinha surpreende a ela mesma e a
comadre à sua frente, que não é de ser pega com as calças na mão tão facilmente.
-
Mas foi o que Carminha disse agora a pouco lá em casa – ainda se refazendo da
reprimenda, Terezinha justifica o fato que acabou de narrar.
-
Eu sei, eu sei que você nem estaria me contando tal coisa se não tivesse um
fundo de verdade, além de que se Carminha foi quem chegou com essa história
estapafúrdia, pois outra coisa não é, ela não arriscaria sua reputação de
pessoa bem informada se não tivesse percebido “ algum caroço debaixo desse angu”
– Mariazinha acalma a amiga e também se acalma – Apenas não estou acreditando
que tenha acontecido.
-
Pois eu acredito! – a voz de Terezinha a trai que não está tão convicta assim
de seu convencimento.
-
Vamos tirar a limpo essa história – e dito isso, Mariazinha junta sua comadre
pelo braço, saindo as duas saracoteando rua abaixo, pois a conversa se dava em
frente da casa daquela mais velha entre as duas.
Mas
a vida não é tão simples assim.
-
Como isso? Quem são eles para não nos deixarem ultrapassar a divisa? Aqueles
boçais não sabem com quem estão lidando.
A
ira de Mariazinha não contagia Terezinha. As duas caminham de braços dados,
sorumbáticas, voltando para casa daquela mais velha entre as duas.
-
Eles que nos esperem!!! Isso não fica assim – a ameaça velada de Mariazinha é
levada pelo vento, enquanto Terezinha permanece em silêncio, matutando no
motivo daquele impedimento de passarem para o lado de lá.
Enquanto
isso no lado de lá.
Maria,
sentada no sofá de couro na ampla sala decorada em estilo clássico de sua casa
assobradada localizada no bairro de classe alta da pequena e bucólica cidade
interiorana, lê o livro “As esquisitices de um sábio”, quando o telefone toca
na mesinha. Calmamente deixa o livro na almofada marrom, tirando o aparelho do
gancho.
-
Alô?
...
-
Bom dia, Teresa. Tudo bem comigo. E contigo?
...
-
Ótimo.
...
-
Estou sabendo. Na verdade, elas mereciam isso, não é mesmo?
...
-
Certamente aquelas duas mexeriqueiras aprenderam a lição.
...
-
Não se preocupe. Jamais saberão que fomos nós.
...
-
Bom dia pra você também. Nos encontramos à tarde no clube.
...
-
Até lá.
Recolando
o telefone no gancho dourado, Maria, sentada em sua posição favorita de madame,
retoma a leitura do livro, aguardando que o almoço esteja à mesa.
Mas
a vida não é tão simples assim.
Antes
das duas horas da tarde, na pequena praça de seu bairro suburbano, Mariazinha,
com Terezinha a tiracolo, afixa cartaz em cada uma das poucas árvores.
Precisam
terminar bem antes das dezessete horas, horário que os moradores passam por
ali, voltando do trabalho, e se esconder na área coberta da casa da mais velha
entre elas e ficar espiando a reação do pessoal.
-
Sei não, comadre, sei não! – Terezinha está cautelosa.
-
Não se preocupe. Sei que estou fazendo – afirma Mariazinha enquanto afixa o cartaz
na última árvore.
As
duas ficam a olhar o resultado do esforço que fizeram em afixar cartazes com a foto tão comprometedora
daquelas duas sirigaitas do bairro chique, esquecida no baú da mais nova entre
elas há mais de quarenta anos. Reviver a adolescência nem sempre é bom,
argumentara Terezinha, mas Mariazinha sequer lhe dera ouvido.
-
Não tem como alguém não ver – argumenta Mariazinha toda satisfeita e
antevendo a balbúrdia que presume que acontecerá.
Terezinha
não diz nada, apenas suspira, enquanto deixa a praça. Afinal ela e sua comadre
também estão na foto.
A
vida não é tão simples assim naquele canto do mundo.
João
Neto
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