quarta-feira, 24 de julho de 2013

Conto (Naquele canto do mundo)




Naquele canto do mundo a vida acontece mais ou menos assim em seu cotidiano, ou seja, conversa vai, conversa vem, papo vem, papo vai. Não que o pessoal fofoque, ou como dizem, “falem da vida al...”
- Como isso? Não  acredito!! – a reação imediata de Mariazinha ao que lhe contava Terezinha surpreende a ela mesma e a comadre à sua frente, que não é de ser pega com as calças na mão tão facilmente.
- Mas foi o que Carminha disse agora a pouco lá em casa – ainda se refazendo da reprimenda, Terezinha justifica o fato que acabou de narrar.
- Eu sei, eu sei que você nem estaria me contando tal coisa se não tivesse um fundo de verdade, além de que se Carminha foi quem chegou com essa história estapafúrdia, pois outra coisa não é, ela não arriscaria sua reputação de pessoa bem informada se não tivesse percebido “ algum caroço debaixo desse angu” – Mariazinha acalma a amiga e também se acalma – Apenas não estou acreditando que tenha acontecido.
- Pois eu acredito! – a voz de Terezinha a trai que não está tão convicta assim de seu convencimento.
- Vamos tirar a limpo essa história – e dito isso, Mariazinha junta sua comadre pelo braço, saindo as duas saracoteando rua abaixo, pois a conversa se dava em frente da casa daquela mais velha entre as duas.
Mas a vida não é tão simples assim.
- Como isso? Quem são eles para não nos deixarem ultrapassar a divisa? Aqueles boçais não sabem com quem estão lidando.
A ira de Mariazinha não contagia Terezinha. As duas caminham de braços dados, sorumbáticas, voltando para casa daquela mais velha entre as duas.
- Eles que nos esperem!!! Isso não fica assim – a ameaça velada de Mariazinha é levada pelo vento, enquanto Terezinha permanece em silêncio, matutando no motivo daquele impedimento de passarem para o lado de lá.
Enquanto isso no lado de lá.
Maria, sentada no sofá de couro na ampla sala decorada em estilo clássico de sua casa assobradada localizada no bairro de classe alta da pequena e bucólica cidade interiorana, lê o livro “As esquisitices de um sábio”, quando o telefone toca na mesinha. Calmamente deixa o livro na almofada marrom, tirando o aparelho do gancho.
- Alô?
...
- Bom dia, Teresa. Tudo bem comigo. E contigo?
...
- Ótimo.
...
- Estou sabendo. Na verdade, elas mereciam isso, não é mesmo?
...
  - Certamente aquelas duas mexeriqueiras aprenderam a lição.
...
- Não se preocupe. Jamais saberão que fomos nós.
...
- Bom dia pra você também. Nos encontramos à tarde no clube.
...
- Até lá.
Recolando o telefone no gancho dourado, Maria, sentada em sua posição favorita de madame, retoma a leitura do livro, aguardando que o almoço esteja à mesa.
Mas a vida não é tão simples assim.
Antes das duas horas da tarde, na pequena praça de seu bairro suburbano, Mariazinha, com Terezinha a tiracolo, afixa cartaz em cada uma das poucas árvores.
Precisam terminar bem antes das dezessete horas, horário que os moradores passam por ali, voltando do trabalho, e se esconder na área coberta da casa da mais velha entre elas e ficar espiando a reação do pessoal.
- Sei não, comadre, sei não! – Terezinha está cautelosa.
- Não se preocupe. Sei que estou fazendo – afirma Mariazinha enquanto afixa o cartaz na última árvore.
As duas ficam a olhar o resultado do esforço que fizeram em afixar  cartazes com a foto tão comprometedora daquelas duas sirigaitas do bairro chique, esquecida no baú da mais nova entre elas há mais de quarenta anos. Reviver a adolescência nem sempre é bom, argumentara Terezinha, mas Mariazinha sequer lhe dera ouvido.
- Não tem como alguém não ver – argumenta Mariazinha toda satisfeita e antevendo a balbúrdia que presume que acontecerá.
Terezinha não diz nada, apenas suspira, enquanto deixa a praça. Afinal ela e sua comadre também estão na foto.
A vida não é tão simples assim naquele canto do mundo.  
João Neto

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