sexta-feira, 26 de julho de 2013

Conto (A visita)



Tendo ele quatro anos de idade, sua família transferiu definitivamente residência para a capital do estado vizinho, onde, depois de muita luta, estabilizou-se financeiramente.  Ele, então, passou sua infância,  adolescência, juventude, maturidade, graduou-se, casou, e, agora, visita pela primeira vez desde então aquela pequena e bucólica cidade interiorana onde nasceu cinquenta anos atrás. Sua esposa o acompanha, os filhos ficaram na companhia dos avós.
Por mais que insistisse, seus pais não quiseram acompanha-los, preferindo o sossego do apartamento e a companhia dos netos.
Filhos únicos, eles não mais mantiveram contato, bem como nunca mais retornaram, nem em visita. Assim, provavelmente foram esquecidos pelos poucos parentes. Quando deixaram a cidade, os pais tinham falecido, e pela petição de miséria que se encontravam nenhum deles fizera questão de despedir-se.
- Tua mãe nunca me deixou olhar as fotos que ela guarda naquela caixa de papelão.
Ele e a esposa estão sentados na praça em frente à igreja matriz. As fotos mencionadas por ela não inteiram meia dúzia, porém, sua mãe as guarda como relíquias, ninguém tem autorização para bulir nelas.
- Talvez não tenha chego o momento – ele afirma.
- Talvez – concorda sua esposa.
Estão saboreando delicioso sorvete de massa, sabor cereja, comprado na sorveteria localizada na esquina da praça. Palácio do Sorvete, nome sugestivo.
- Você também nunca me disse o que as fotos retratam...
Ele está na última colherada da deliciosa iguaria.
- Nunca – ele confirma a afirmativa da esposa.
Quando saíram da sorveteria e caminharam até o banco debaixo da árvore mais frondosa da praça, conversavam sobre lembranças e as poucas que ele poderia ter daquela cidade poderiam estar registradas naquelas fotos, pois em sua memória não trazia nenhuma.
- Mas agora não tem desculpas, não é?
- É – ele, discreto sorriso nos lábios, responde.
Ela também sorri. Trinta anos de convivência fizeram com que soubesse pela expressão dos olhos, por um simples gesto, o que está se passando no íntimo do esposo.
Duas horas da tarde. Apesar do sol brilhando no céu com poucas nuvens, o frio retorna aos poucos, indicando que a noite a temperatura novamente se aproximará do zero grau.
- Vamos conhecer o interior da igreja – ele propõe.
- Vamos – ela aceita o convite.
O casal se levanta, caminhando lentamente em direção da escadaria frontal do prédio com suas duas torres pintadas em tom pastel.
- Quem são eles? – a pergunta de Zé Louco para Tonho Munheca é pertinente, pois estavam a observar o casal a mais de dez minutos e até aquele momento não tinham atinado de quem se tratava.
- Pois também tô matutando aqui: quem são eles? – replica Tonho Munheca – Duvido que sejam de alguma família daqui, senão eu já teria descoberto, mas talvez sejam dessa gente nova que está mudando prá cá de uns tempos pra cá.
- Ora, se fossem, um dia ou outro os teríamos visto aqui pelo centro da cidade, não é? – argumenta Zé Louco.
- E não é! – concorda Tonho Munheca – Pensando bem, possuem um quê dos Almeida, não é?
- Não vejo traço dos Oliveira.
- O jeito de andar do sujeito lembra eles.
- E não é que lembra. Andar meio sossegado, pernas curvas e abertas, calcanhar juntados.  
- Por outro lado, é mais alto que qualquer deles. E bem mais magro. E não é careca. Sei não.
- Isso é. Gente dos Bastos?
- Dos Bastos? Humm, hummm... Nada a ver.
- A mulher não é daqui, nem parente de gente daqui, isso tenho certeza.
- Pode ser, pode ser. Mas ela não te lembra da matriarca dos Cintra?
- ... Hummm, hummmm... Não é que lembra?
Quanto o casal adentra pela porta principal da igreja, os dois compadres retornam ao assunto que tratavam.
- Tá chegando o dia.
- É.
Nesse momento se aproxima o Chico Dente, moço solteiro e atualmente desempregado, que todas as tardes comparece na praça, pois gosta de prosear com os aposentados que sempre estão por ali, se inteirando das últimas fofocas da cidade.
- Tarde.
- Tarde – responde Zé Louco.
- Boa tarde – responde Tonho Munheca.
Chico Dente sem cerimônia senta entre os dois compadres.
- Tá chegando o dia – fraseia só pra puxar assunto.
- E não é – diz Zé Louco.
- Pois é – confirma Tonho Munheca.

(continua)

João Neto

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