domingo, 14 de julho de 2013

Crônica (O jovem sozinho, acabrunhado, sentado no banco da praça)



Domingo, onze horas, naquela pequena e bucólica cidade interiorana apesar do sol e do céu claro, o jovem sozinho, acabrunhado, sentado no banco da praça.
Algumas pessoas percorrem as barracas da feira livre na rua ao lado procurando produtos com preços mais em conta. O pipoqueiro encerrou o expediente a cerca de meia hora, mas continua no seu ponto na praça, em frente da escadaria da igreja matriz, conversando com aquele senhor que também frequenta a praça todos os dias.
O jovem sozinho, acabrunhado, sentado no banco da praça, seus olhos não escondendo o sentimento que traz no coração.
- Logo, logo, acaba essa farra cívica toda e tudo volta a tranquilidade de antes – afirma Acácio ao pipoqueiro de cabelos brancos.
- Será? – duvida o pequeno homem.
- Acredite –  Acácio reafirma sua convicção.
- Sei não, sei não – reluta o pipoqueiro enquanto guarda a féria no bolso do guarda-pó branco com algumas manchas de gordura.
As duas mulheres de toca na cabeça desarmam a barraca de pastéis. Na feira livre duas ou três barracas ainda expõem seus produtos aos poucos fregueses, enquanto a maioria dos barraqueiros já se prepara para deixar o local, arrumando seus apetrechos e produtos nas camionetes, peruas, carros e carrinhos de pedreiro. Garis e margaridas iniciam o trabalho de limpeza da rua.
O jovem sozinho, acabrunhado, sentado no banco da praça, seus olhos não escondendo o sentimento que traz no coração, ombros caídos.
De repente um frango escapa da gaiola, numa fuga entre desengonçada e esperta, num ziguezaguear hilariante, com o rechonchudo chacareiro em seu encalço, acompanhado da raquítica esposa, e de todos os vira-latas que estavam por ali. A ave passa por canteiros, voa por sobre bancos, o casal pega não pega, os cães quase abocanhando uma suculenta refeição. Da quantia de doze, eles venderam apenas um, e não perderiam aquele danado de jeito nenhum, até porque em razão desse vexame que lhes impinge, será a mistura do almoço.
Sequer percebem o rapaz sozinho, acabrunhado, sentado no banco da praça, seus olhos não escondendo o sentimento que traz no coração, ombros caídos,  mãos juntadas descansando no colo,  quando finalmente o chacareiro consegue captura-lo junto aos seus pés. Enquanto logo atrás sua esposa espanta a chutadas os cães famintos que teimam em surrupiar-lhes o futuro defunto assado, o chacareiro leva raivosamente o frango pelas asas – que cocorica em altos brados prevendo o destino que lhe é reservado -  em direção à camionete,  se preparando para enfrentar a gozação e os risos dos demais companheiros de feira-livre.
Acácio e o pipoqueiro riem a valer. Os garis e margaridas se apoiando nas vassouras também não seguram o riso, aguardando que se esvazie por completo a rua, o que acontece minutos depois.
Quando terminam a varrição, Acácio e o pipoqueiro se foram, a rua deserta e limpa, pronta para a segunda-feira, quando o movimento reinicia, num monótono e monocromático vai e vem de carros e pessoas.
O rapaz sozinho, acabrunhado, sentado no banco da praça, seus olhos não escondendo o sentimento que traz no coração, ombros caídos,  mãos juntadas descansando no colo, ao seu lado um envelope com destinatário e sem remetente aberto deixando surgir réstia de uma folha de caderno de brochura, com escrita delineada em caneta tinteiro preenchendo suas linhas.
Meio-dia. Apesar do sol e do céu claro, o dia continua friorento.
Garis e margaridas caminham lado a lado em direção ao veículo que os espera duas quadras acima, conversando ironicamente sobre os últimos acontecimentos que poderão trazer melhorias ou piorar o que os detentores do poder a muitos anos afligem aos habitantes daquela pequena e bucólica cidade interiorana que ainda não entrou no século XXI.
Agora a praça da matriz está vazia.  No banco o envelope sem a folha.
A vida segue sua rotina.
João Neto

Nenhum comentário:

Postar um comentário