sábado, 6 de julho de 2013

Crônica ("Sonhar não é preciso, nem escorregar no piso liso"


E as duas senhorinhas conversam. Patati daqui, patatá de lá. Nos copinhos de plástico, sorvete de massa, morango e limão. As colherinhas de plástico como gangorras levam a guloseima para deleite das jovens senhoras que conversam sentadas no banco da praça da matriz da pequena e bucólica cidade interiorana, sob a proteção da frondosa e centenária árvore.
Primeiro sábado do mês de julho. Sol e um friozinho irritante. Início da tarde.
Do outro lado da praça o carrinho azul do vendedor de produtos naturais, raízes e mel silvestre, todos devidamente empacotados ou em vidros hermeticamente fechados.
Em volta do carrinho de abas abertas, os frequentadores de sempre.
De repente, não mais que de repente, surge a poetiza. Cabelos negros, lábios carnudos, pele cor de jambo, fofinha.
Quando se aproxima das senhorinhas traz nos lábios o sorriso tímido, sua marca registrada.
Afe!
Cerca de duzentos metros acima, a rapaziada na calçada em frente ao bar, sentados em banquinhos de madeiras, bebem uns goles de cerveja e conversam. Na padaria ao lado, Zé da Truta em pé na porta. Em sua companhia o poeta baixinho e gordinho. E eu.
Zé da Truta, sem mais, sem menos, diz.
- Sonhar não é preciso, nem escorregar em piso liso – instantaneamente levando o copo de cerveja até a boca, bebendo todo o líquido amarelo, o que é imitado incontinenti por mim.
Nosso amigo poeta vira-se, caminha para o interior da padaria, sentando na cadeira de formica, debruça-se sobre o balcão e chora compulsivamente.
Faço menção de ir até lá, mas com um sinal de dedo Zé da Truta indica que devemos ficar ali na porta.
E o poeta lá chorando compulsivamente.
A poetiza de cabelos negros, lábios carnudos, pele cor de jambo, fofinha está vindo em nossa direção. A rapaziada do bar silencia e ficam a admirar tão singela beleza.
- Com licença – ela nos pede.
Zé da Truta permanece estático, enquanto me afasto de lado para que ela passe, deixando seu perfume  impregnado no ar.
Depois de ser atendida pela balconista a poetiza chega ao caixa, cumprimenta a moça de óculos, pagando o valor do pudim de leite condensado.
- Com licença – ela nos pede novamente. Desde vez permaneço parado, mas Zé da Truta continua estático e, então, me afasto novamente.
A poetisa passa por nós.
- Obrigado – agradece com sua voz de sereia, de Iara.
Segundo depois some na esquina de cima.
E o poeta lá chorando compulsivamente.
Zé da Truta então,  propõe.
- Outra cerva?
Que seja. Até porque o poeta baixinho e gordinho já se refez e estica o braço cuja mão segura o copo vazio em direção do litrão.
Sonhar não é preciso, nem escorregar no piso liso. O que será que Zé da Truta quis dizer?” – pergunto a mim mesmo em pensamento – Obrigado – agradeço quando Zé da Truta enche meu copo com cerveja.

João Neto

Um comentário:

WANDENILZA CALDONAZZO disse...

Cada dia melhor! Sou sua fã!
Abraços.

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