terça-feira, 6 de agosto de 2013

Conto (O baixinho sortudo)



Sorte danada do baixinho que estacou ao lado do primeiro sujeito que encontrou na praça naquela tarde de segunda-feira, vinte e quatro horas depois das dezessete horas daquele primeiro domingo de agosto.
- Ufa! Rapaiz do céu, agora tô cansado de dar dó.
- Ora, cansar trabalhando é alcançar o céu do dever cumprido.
- Cansaço de trabalho não. Cansaço de correr.
- Correr?
 - É.
- E correste do que, cidadão?
- Da presepada.
- E presepada tem pés?
- Tem não. Tem punho fechado.
- Punho fechado? Como isso?
- Pois eu passava sossegado pela rua...
- E?
- E alguém de dentro da casa de má índole me apontou pros brutamontes da esquina da qual eu me aproximava e, quando mais perto eu chegava, mais percebia que ia frigir no óleo quente.
- Frigir no óleo quente.
- Isso. Fritado na frigideira da ignorância. E a fritada, acredite, seria eu.
- Mas como, cidadão, se o ir e vir é livre, constitucional...
- “Constitu” o quê? Á para ô. Disparei numa carreira que nem nos meus tempos de jovem teria corrido e os cabras atrás de mim só gritando “espera, espera” e logo depois “pega, pega”, e ainda mais “vai pagar, baixinho, vai pagar caro por estar fugindo”.
- Não te alcançaram?
- Deve estar brincando. Está vendo algum sangue escorrendo em mim? Osso quebrado? Rapaiz do céu, apurou, eu corro mais que nó cego da dívida.
- E onde está a presepada?
- Ocê não é dessas bandas?
- Não. Cheguei a poucas horas.
- Desconfiei. Presepada é a surra que eu levaria se me alcançassem.
- Surra? Agora eu peço que pare. Estamos no século XXI. A lei está aí pra ser respeitada, a autoridade policial é dever de ofício tomar providências.
- Rapaiz do céu, tu não é daqui mesmo. Século XXI é? Dever de ofício? Quanto tempo está na cidade?
- Desde esta manhã.
- Pois só de me verem de trela contigo, rapaiz do céu, está pertinho, pertinho, de estar na mesma fritada.
Neste exato momento, surgem os dois perseguidores de físico avantajado e cara de enfezados, e quando visualizam os dois homens na calçada em frente à igreja matriz, se aproximam rapidamente, abordando o morador da cidade.
- Vamos lá, baixinho de uma figa, vamos colocar tudo a limpo lá na sede do partido – agarrando o pequeno homem pelos braços, levantando-o, deixando seus pés balançando no ar.
- Jovens, o que fez este cidadão para que o forcem acompanha-los? – pergunta educadamente o recém-chegado.
Os dois cabras ignoram a pergunta e o perguntador, decididos a levar o pequeno homem até a casa de má índole, pois o chefão está no aguardo da presença do pequeno homem para confirmar o que se diz dele.
- Jovens, um momento – pede gentilmente o recém-chegado.
Os dois cabras nem aí, porém, quando dão pela coisa, o engomadinho está frente a frente com eles, carteira vermelha aberta na folha com sua foto sendo segura pela mão cujo braço está estendido quase relando suas fuças.
O menos inculto dentre os dois lê e não entende bulhufas do que está escrito, mas o pequeno homem com estudo até a oitava série exclama aliviado:
- Doutor do céu, ainda bem que está aqui.
Palavrinha mágica, “doutor”. O menos palerma dentre os dois homens de físico avantajado, ainda segurando o pequeno homem pelo braço, tira o telefone celular do bolso da calça jeans, fazendo a ligação.
- Chefe, está aqui um tal “doutor do céu” parado na nossa frente, carteira vermelha aberta em sua foto estendida em nossa direção.
Fica no aguardo da instrução do outro lado da linha.
- O chefe quer saber que raio é ser “doutor do céu”? – o troglodita pergunta, entre arrogância e menosprezo, ao desconhecido.
Quinze minutos depois na delegacia de polícia, nem o menos inculto, nem o menos palerma, atinou ainda o motivo do engomadinho ter mandado os “milicos”, que até fizeram continência pra ele, os encarcerar naquela cela 2x2 e determinado que não dessem “um pio” –  se não entende o que se passa, melhor obedecer sem perguntar, é o lema que seguem a risca -  e principalmente o delegado de polícia, companheiro de pescaria, ter sido tão afetado com o tal “doutor do céu”. E, o pior de tudo, o baixinho  se gabaria de ter testemunhado o chororô deles e, ainda mais pior, não se saberia se ele pulou de galho ou não.
E, ainda, aguardam ansiosamente o chefe ir busca-los e tira-los daquela cela fedorenta e explicar porque o doutor delegado chamou o engomadinho de Vossa Excelência.
João Neto

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