Sorte
danada do baixinho que estacou ao lado do primeiro sujeito que encontrou na
praça naquela tarde de segunda-feira, vinte e quatro horas depois das dezessete
horas daquele primeiro domingo de agosto.
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Ufa! Rapaiz do céu, agora tô cansado de dar dó.
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Ora, cansar trabalhando é alcançar o céu do dever cumprido.
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Cansaço de trabalho não. Cansaço de correr.
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Correr?
- É.
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E correste do que, cidadão?
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Da presepada.
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E presepada tem pés?
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Tem não. Tem punho fechado.
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Punho fechado? Como isso?
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Pois eu passava sossegado pela rua...
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E?
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E alguém de dentro da casa de má índole me apontou pros brutamontes da esquina
da qual eu me aproximava e, quando mais perto eu chegava, mais percebia que ia
frigir no óleo quente.
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Frigir no óleo quente.
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Isso. Fritado na frigideira da ignorância. E a fritada, acredite, seria eu.
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Mas como, cidadão, se o ir e vir é livre, constitucional...
-
“Constitu” o quê? Á para ô. Disparei numa carreira que nem nos meus tempos de
jovem teria corrido e os cabras atrás de mim só gritando “espera, espera” e
logo depois “pega, pega”, e ainda mais “vai pagar, baixinho, vai pagar caro por
estar fugindo”.
-
Não te alcançaram?
-
Deve estar brincando. Está vendo algum sangue escorrendo em mim? Osso quebrado?
Rapaiz do céu, apurou, eu corro mais que nó cego da dívida.
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E onde está a presepada?
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Ocê não é dessas bandas?
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Não. Cheguei a poucas horas.
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Desconfiei. Presepada é a surra que eu levaria se me alcançassem.
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Surra? Agora eu peço que pare. Estamos no século XXI. A lei está aí pra ser
respeitada, a autoridade policial é dever de ofício tomar providências.
-
Rapaiz do céu, tu não é daqui mesmo. Século XXI é? Dever de ofício? Quanto
tempo está na cidade?
-
Desde esta manhã.
-
Pois só de me verem de trela contigo, rapaiz do céu, está pertinho, pertinho, de
estar na mesma fritada.
Neste
exato momento, surgem os dois perseguidores de físico avantajado e cara de
enfezados, e quando visualizam os dois homens na calçada em frente à igreja
matriz, se aproximam rapidamente, abordando o morador da cidade.
-
Vamos lá, baixinho de uma figa, vamos colocar tudo a limpo lá na sede do
partido – agarrando o pequeno homem pelos braços, levantando-o, deixando seus
pés balançando no ar.
-
Jovens, o que fez este cidadão para que o forcem acompanha-los? – pergunta
educadamente o recém-chegado.
Os
dois cabras ignoram a pergunta e o perguntador, decididos a levar o pequeno
homem até a casa de má índole, pois o chefão está no aguardo da presença do
pequeno homem para confirmar o que se diz dele.
-
Jovens, um momento – pede gentilmente o recém-chegado.
Os
dois cabras nem aí, porém, quando dão pela coisa, o engomadinho está frente a
frente com eles, carteira vermelha aberta na folha com sua foto sendo segura
pela mão cujo braço está estendido quase relando suas fuças.
O
menos inculto dentre os dois lê e não entende bulhufas do que está escrito, mas
o pequeno homem com estudo até a oitava série exclama aliviado:
-
Doutor do céu, ainda bem que está aqui.
Palavrinha
mágica, “doutor”. O menos palerma dentre os dois homens de físico avantajado,
ainda segurando o pequeno homem pelo braço, tira o telefone celular do bolso da
calça jeans, fazendo a ligação.
-
Chefe, está aqui um tal “doutor do céu” parado na nossa frente, carteira vermelha
aberta em sua foto estendida em nossa direção.
Fica
no aguardo da instrução do outro lado da linha.
-
O chefe quer saber que raio é ser “doutor do céu”? – o troglodita pergunta,
entre arrogância e menosprezo, ao desconhecido.
Quinze
minutos depois na delegacia de polícia, nem o menos inculto, nem o menos
palerma, atinou ainda o motivo do engomadinho ter mandado os “milicos”, que até
fizeram continência pra ele, os encarcerar naquela cela 2x2 e determinado que
não dessem “um pio” – se não entende o
que se passa, melhor obedecer sem perguntar, é o lema que seguem a risca - e principalmente o delegado de polícia,
companheiro de pescaria, ter sido tão afetado com o tal “doutor do céu”. E, o
pior de tudo, o baixinho se gabaria de
ter testemunhado o chororô deles e, ainda mais pior, não se saberia se ele
pulou de galho ou não.
E,
ainda, aguardam ansiosamente o chefe ir busca-los e tira-los daquela cela
fedorenta e explicar porque o doutor delegado chamou o engomadinho de Vossa
Excelência.
João Neto
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