terça-feira, 13 de agosto de 2013

Crônica (Um sujeito sentado de pernas cruzadas no meio da praça)

O que segue aparentemente não são conselhos, nem pensamentos, nem considerações, nem alertas. São devaneios de um sujeito sentado de pernas cruzadas no meio da praça daquela pequena e bucólica cidade interiorana, em plena terça-feira, horário de pico, enquanto pessoas passam apressadas sem sequer notarem sua presença, muito menos que traz uma megafone numa das mãos.
Moço.
Não seja lobo em pele de cordeiro, nem tampouco cordeiro que se desgarrou do rebanho encantado pela claridade da lua.
Não se vanglorie como amante de mulheres a cata de fagulhas para iluminar sua solidão, muito menos como apaixonado que em noite de neblina faz serenata à amada debaixo da janela fechada.
Não se faça de explorador de trilha em floresta fechada se desconhece onde está exatamente o inicio e o fim da fiada.
Não seja rufião de sua vontade.
Moça.
Não seja tola em se considerar a mais transgressora dentre tantas pelo fato de, depois de pintar cada unha numa cor diferente, continuar sentada no sofá em frente à televisão ligada no filme de terror em pleno sábado de balada.
Não seja rancorosa apenas pelo contraditório fato de nunca ter sido a primeira, antes seja precavida e tire a pedra 75 da cumbuca do bingo.
Não traje vestido apertadíssimo tua cintura não sendo fina e nem pinte os lábios de vermelho com batom barato, traga sim em si o mistério da pétala da flor trazida de longe pelo vento, que descansa no teu colo no primeiro dia de primavera enquanto balança adormecida na rede armada na varanda de tua casa.
Não seja rufiona de sua vontade.
Moça e moça.
Tenham descaramento. Caminhem pelo prazer de estar na companhia de sua amada, de seu amado, caminhem de mãos dadas pelas calçadas das ruas centrais de sua pequena e bucólica cidade interiorana, não importa se vilarejo ou megalópole.
Tenham descaramento. Joguem “amarelinha” com seus familiares no quintal de sua casa, não importa se casebre, mansão ou apartamento.
Tenham descaramento. Dancem de olhos fechados ao som da música mais romântica que um dia foi composta, deixando que a melodia toque teu espírito, não importa se estejam só ou dançando com a pessoa mais querida.
Tenham descaramento. Façam cócegas na sola dos pés de sua amada, de seu amado, de sua mãe, de seu pai, de suas irmãs, de seus irmãos, de seus filhos, de suas filhas,  façam guerra de travesseiros onde a única vencedora sempre será a união entre todos, não importa se lá fora estejam estranhando tuas ausências.
Tenham descaramento. Brinquem de esconde-esconde pelos compartimentos da casa, corrida de ovo cozido ao redor da casa. Brinquem, deem muitas, muitas risadas, não importa se os vizinhos reclamem do barulho.
Tenham descaramento. Churrasqueiem ao menos uma vez na vida em plena segunda-feira à tarde na companhia de seus familiares, amigos e amigas, não importa se o patrão descontará teu dia.
Não sejam carcereiros de suas alegrias. Não se enclausurem no medo de ser feliz.
Então o desconhecido se põe em pé, ajeita a alça do megafone no ombro direito, caminha na direção do carrinho de caldo de cana, pede um copo incrementado com abacaxi, sendo servido, bebendo num só gole, pagando com uma novíssima nota de R$ 2,00, indo embora, desaparecendo na esquina de cima.

Zé da Truta, “filosófo” e emérito beberrão, que a tudo assistia murmura pra si mesmo, “Taí um sujeito porreta”, sendo flagrado pela caixa do mercadinho centenário. Quem imaginaria, quem imaginaria.
João Neto

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