O que segue aparentemente não são
conselhos, nem pensamentos, nem considerações, nem alertas. São devaneios de um
sujeito sentado de pernas cruzadas no meio da praça daquela pequena e bucólica
cidade interiorana, em plena terça-feira, horário de pico, enquanto pessoas
passam apressadas sem sequer notarem sua presença, muito menos que traz uma
megafone numa das mãos.
Moço.
Não seja lobo em pele
de cordeiro, nem tampouco cordeiro que se desgarrou do rebanho encantado pela
claridade da lua.
Não se vanglorie como
amante de mulheres a cata de fagulhas para iluminar sua solidão, muito menos
como apaixonado que em noite de neblina faz serenata à amada debaixo da janela
fechada.
Não se faça de
explorador de trilha em floresta fechada se desconhece onde está exatamente o
inicio e o fim da fiada.
Não seja rufião de
sua vontade.
Moça.
Não seja tola em se
considerar a mais transgressora dentre tantas pelo fato de, depois de pintar
cada unha numa cor diferente, continuar sentada no sofá em frente à televisão
ligada no filme de terror em pleno sábado de balada.
Não seja rancorosa
apenas pelo contraditório fato de nunca ter sido a primeira, antes seja
precavida e tire a pedra 75 da cumbuca do bingo.
Não traje vestido apertadíssimo
tua cintura não sendo fina e nem pinte os lábios de vermelho com batom barato, traga
sim em si o mistério da pétala da flor trazida de longe pelo vento, que
descansa no teu colo no primeiro dia de primavera enquanto balança adormecida na
rede armada na varanda de tua casa.
Não seja rufiona de
sua vontade.
Moça e moça.
Tenham descaramento.
Caminhem pelo prazer de estar na companhia de sua amada, de seu amado, caminhem
de mãos dadas pelas calçadas das ruas centrais de sua pequena e bucólica cidade
interiorana, não importa se vilarejo ou megalópole.
Tenham descaramento. Joguem
“amarelinha” com seus familiares no quintal de sua casa, não importa se
casebre, mansão ou apartamento.
Tenham descaramento.
Dancem de olhos fechados ao som da música mais romântica que um dia foi
composta, deixando que a melodia toque teu espírito, não importa se estejam só
ou dançando com a pessoa mais querida.
Tenham descaramento.
Façam cócegas na sola dos pés de sua amada, de seu amado, de sua mãe, de seu
pai, de suas irmãs, de seus irmãos, de seus filhos, de suas filhas, façam guerra de travesseiros onde a única vencedora
sempre será a união entre todos, não importa se lá fora estejam estranhando
tuas ausências.
Tenham descaramento.
Brinquem de esconde-esconde pelos compartimentos da casa, corrida de ovo cozido
ao redor da casa. Brinquem, deem muitas, muitas risadas, não importa se os
vizinhos reclamem do barulho.
Tenham descaramento.
Churrasqueiem ao menos uma vez na vida em plena segunda-feira à tarde na
companhia de seus familiares, amigos e amigas, não importa se o patrão
descontará teu dia.
Não sejam carcereiros
de suas alegrias. Não se enclausurem no medo de ser feliz.
Então o desconhecido se põe em pé,
ajeita a alça do megafone no ombro direito, caminha na direção do carrinho de
caldo de cana, pede um copo incrementado com abacaxi, sendo servido, bebendo
num só gole, pagando com uma novíssima nota de R$ 2,00, indo embora,
desaparecendo na esquina de cima.
Zé da Truta, “filosófo” e emérito
beberrão, que a tudo assistia murmura pra si mesmo, “Taí um sujeito porreta”,
sendo flagrado pela caixa do mercadinho centenário. Quem imaginaria, quem
imaginaria.
João Neto
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