terça-feira, 28 de maio de 2013

Crônica (Não sou, não sou e pronto)

- Burra! Bur... ra!
- Quem é burra?
- Você é burra.
- Eu sou burra?
- É.
- Você está me chamando de burra?
- Estou.
- Eu?
- Você. Bur... ra!
Silêncio. Um segundo.
- Pois não é que sou!
- Burra?
- Não é que sou isso aí. Tá bão também.
Silêncio. Um segundo.
- Cega! Ce... ga!
- Quem é cega?
- Você é cega.
- Eu sou cega?
- É. Burra e cega.
- Você está me chamando de burra e cega?
- Estou.
- Eu? Eu mesma?
- Você. Bur... ra. Ce... ga.
Silêncio. Um segundo.
- Pois não é que sou!
- Cega?
- Não é que sou isso aí. Tá bão também.
Silêncio. Um segundo.
- Energúmena.
- Está agora me chamando de energúmena?
- Estou. E n e r g ú m e n a. Quer que repita?
- Repita.
- E n e r g ú m e n a.
Silêncio. Um segundo.
- Pois não  é que sou!
- Afe! Não adianta insistir...
Silêncio. Um segundo.
- Azêmola!
Plaft!
- Aíiii! Doeu.
Plaft! Plaft!
Silêncio. Um segundo.
Aí a dita cuja sai toda convencida, enquanto observa o excomungado do seu namorado... Ops! A partir deste momento, ex-namorado... indo embora, mão espalmada escondendo a vermelhidão da face direita.
- Que audácia do cara, meu, me chamar de azêmola. Quem ele pensa que é? Até posso ser burra por não entender que chegou um novo tempo, até posso ser cega por não ver que esse novo tempo chegou pra ficar, até posso ser tola por não aceitar  que esse novo tempo traz ares mais arejados, e até posso aceitar que sou uma energúmena por não entrar de sola neste novo tempo, mas azêmola eu não sou, não sou e pronto. E aquele idiota foi tarde. É isso aí!  
E toda sirigaita ela volta ao seu trabalho de margarida.

João Neto

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Crônica (Lá no formigueiro se tornam uma coisa só, não é?)

Quais os ingredientes da massa do sorvete fantasia?
Sei lá.
Não sou filosófo. Aliás, conheço um “filosófo”, como se autodenomina um grande amigo, o Zé da Truta.
Diz Zé da Truta que o sorvete de massa fantasia é uma mistura de sonhos, desejos e outros sabores menos degustáveis.
Quais os ingredientes do bolo decepção?
Sei lá.
Zé da Truta, entre um gole e outro e quando o assunto vem a baila, explica que decepção não é bolo, e sim simples mistura de arroz e feijão, considerando arroz a realidade, considerando feijão nossa visão dessa realidade. Tudo devidamente cozido, temperado e servido quente.
Quais os ingredientes do pudim caráter?
Sei lá.
Amanhã ou depois perguntarei à Zé da Truta, se encontra-lo no bar de costume ou em seu banco preferido da praça em frente à matriz.
O que sei é que conheci alguém saboreando uma grande fantasia. Seus olhos amendoados e seu sorriso cativante no bonito rosto de mulher são os rabiscos perfeitos dessa fantasia.
Mas também vi do outro lado da mesma via o rosto esbranquiçado, os olhos enuviados, a expressão impenetrável de quem um dia fantasiou e o vento do inesperado tudo pra longe levou.
E tanto aquele que conheci como o outro que vi se esquivem, e por mais que escondam, finjam, escamoteiem, se mostram como realmente são.  Nem mais bonitos, nem mais feios.
Zé da Truta diz que são como palavras ocas, que só possuem significado mediante uma atitude do falante.
Sei lá. O que menos importa é o significado disso tudo. Se é que possui significado. Enfim.
As formigas se preparam para o inverno. De repente possam se interessar pelo sorvete de massa fantasia, ou pelo pudim caráter, ou pelo bolo decepção. Nunca se sabe.  Talvez um dia desses topemos com elas carregando migalhas dessas guloseimas para o formigueiro. Arroz e feijão, mesmo crus, certamente são prioridades, e farão parte dessa carga.
Lá no formigueiro se tornam uma coisa só, não é?

João Neto

domingo, 26 de maio de 2013

Poesia (Porque hoje não é...)


Porque hoje não é dia seis
O comerciante expulsou o freguês
Átila ressuscitou da morbidez
O pobre se fez burguês
Pintaram o sete com o português
O índio civilizado só fala inglês

Porque hoje não é dia cinco
O empregado quebrou o trinco
Átila trouxe no cabresto um ornitorrinco
O português passou usar brinco
Índio e pobre num só vinco

Porque hoje não é dia quatro
O vendedor esganou o pato
Átila despencou o lustre do anfiteatro
Caçar e navegar não é um barato

Porque hoje é dia três
Átila retornou à morbidez
O índio se fez burguês

Porque hoje é dia dois
Feijão e arroz ficam pra depois

Porque hoje é dia um... pum!!
João Neto

terça-feira, 21 de maio de 2013

Desafio


Talvez não haja interessado. Tudo bem. Mas o desafio está lançado. Quem decifrar a equação abaixo receberá o merecido prêmio.

 

n(t+1)=a+r1*n(t)+ixn[x(t)]

 

João Neto
 
E.T.: Fico na espera.  (facebook: João Neto)

domingo, 19 de maio de 2013

Porque me ouviste


Me desviei, me orientaste
Escorreguei, me levantaste
Me machuquei, cuidaste da ferida
Salvaste a minha vida, e eu nem te conhecia

Gritei “Jesus”, te aproximaste
Me aproximei, me aconchegaste
Pedi mais luz, ouviste a minha prece
E até se eu não quisesse, me iluminarias

Porque me ouviste, quando eu nem sequer falei
E me atendeste, quando eu nem orar sabia
Por tudo isso, meu Senhor, e muito mais
Eu te agradeço, meu Senhor
E agora canto o teu amor
Não pode haver amor maior
Não pode haver maior amor
Não acredito, meu Senhor, que possa haver
Amor maior que o teu amor

(música: Porque me ouviste)
Salve Pe. Zezinho

João Neto

 

sábado, 18 de maio de 2013

Poesia (Viagem com Rosa)


Morena Rosa, preste atenção,
Sou do interior, sou sim,
Mas no meu peito bate musical coração.
Se contrário fosse, ai de mim!

A areia da praia e as ondas do mar
Uma vez ao ano sambam aos meus pés,
Porque nós sem doutorado aqui da roça
Viajar para o carnaval do Rio de Janeiro
Só se propícia num outro mês. Sem troça.
Do batuque na caixa de fósforos
Na mesa da calçada do bar boêmio,
Nem na minha pequena cidade,
Mel demais se na Vila Isabel.
Não fique com esse ar de jocosidade.
Nem se fosse sósia de  Noel, Rosa,
Eu conseguiria tal proeza,
Até porque compor samba a granel
Só se arriscar chegar lá de rapel.
Por cautela levo na algibeira
O violão e minha dedeira.

Pois então, morena, vamos embora!
Deixe a cerveja na mesa,
Carreguemos as malas na mão.
O Rio nos espera. Entremos na lotação.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Poesia (Miragem)


Cabelo pixaim na cor do capim,
Rasgos nos joelhos da surrada jeans,
Planetas na camiseta celeste,
Inocência torneada em colorida veste.
Doce menina descalça caminha,
Juventude que não se traveste
De burguesia ao amanhecer o dia.

Em tranças as horas ela fia,
Temperando cada instante
Com sabor da esperança
Dos olhos negros que miram
O horizonte tão perto tão distante.

Sutil miragem, realidade ainda criança,
Com semelhantes brincando de ciranda
Pelo caminho que o destino desfia.

A lua espelha o sol, tudo se recria.
João Neto

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Texto IV (O azar do venturoso Cidinho, o sorveteiro)


(continuação)

QUARTO


O delegado de polícia, os funcionários da delegacia de polícia, a multidão

Segunda-feira outonal. Manhã de céu azul, nuvens claras.
O jovem delegado de polícia está em sua sala. A delegacia de polícia localiza-se no centro da cidade, constituída de três prédios. O primeiro, atendimento ao público, centenário. O segundo, com sua sala e do setor de investigação, nos fundos, mais a direita; mais à esquerda, o prédio mais novo com as salas dos escrivães, cozinha, arquivo, e banheiros masculino e feminino para o público. Entre eles, um pátio apedregulhado e a garagem das viaturas e de uso dos funcionários, afora a cela longe dos olhos de curiosos.
Funcionários que estão num vai e vem frenético, cumprindo as determinações da chefia. Um agente policial, uma escrivã, um escrivão, dois investigadores, o efetivo total de policiais.
Em sua segunda semana na cidade e acontece esse crime. Vinte e cinco anos sem assassinato. Vinte e cinco anos.
Deveria ter ficado no fórum como escrevente ou ter ido para a carreira de promotor”, pensa o jovem bacharel enquanto analisa as informações sobre a mesa.
Cidinho, ou melhor, Sidinei Gomes. Cinquenta e cinco anos completados no dia anterior, solteiro, vendedor de sorvetes, porém, proprietário de cinco casas, além daquela onde viveu sozinho por mais de vinte anos até a noite de sua morte. Renda mensal acima de cinco mil dólares. Mulherengo.  Na foto de sua cédula identidade,  bigode vistoso, vasta cabeleira. Pai não informado, mãe Maria Aparecida Gomes, natural da cidade, criado e, pelo que consta, nunca viajou, nem ao menos pra qualquer das cidades vizinhas.
Um tiro certeiro na testa. Um só tiro.
Os dois investigadores surgem na porta, entrando ao sinal do delegado, postando-se em frente à mesa.
- Doutor, o casal de namorados está na sala do escrivão. O pai acompanha a adolescente. O rapaz veio sozinho, mas chegou com eles.
O jovem delegado de polícia põe-se em pé.
- Há um pequeno probleminha, doutor...
- Diga.
- Tem uma multidão em frente da delegacia. Penso que a cidade toda está lá fora.
- Puta que o pariu! – desabafa a autoridade – por que esse sorveteiro foi se deixar matar justamente agora?

(continua)
João Neto

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Texto III (O azar do venturoso Cidinho, o sorveteiro)


(continuação)

TERCEIRO


 Natália, Maycon

Domingo outonal. Noite agradável.
Recanto do Sol, vila de casas populares mais periférica da cidade. Duas ruas precariamente asfaltadas, iluminação pública deficiente. Cinquenta famílias de baixa renda privilegiadas.
Na rebeldia de seus quinze anos, Natália sonha em sair dali. Nascida e crescida naquela vila, seu horizonte se resume em cuidar dos dois irmãos mais novos até a mãe chegar do trabalho de serviços gerais no posto de saúde municipal do bairro vizinho, escola, voltar para casa, cuidar dos dois irmãos mais novos, tapar os ouvidos para não ouvir a gritaria das constantes brigas dos pais, dormir, e no dia seguinte continuar nessa rotina.
Maycon é seu passaporte. E tem consciência que sua beleza discreta e o corpo sensual são seu bilhete de viagem só de ida.
Não importa sua melhor amiga insistir que Maycon é caso perdido, e nem que é nascido e criado na vila vizinha, e que puxou ao pai, cumprindo doze anos por assalto a mão armada.
Decidiu, ele é seu passaporte. Bonitinho, se veste na moda, tênis caro e tudo o mais. E não é usuário de drogas como a maioria dos garotos da vila. Suspeita que trabalha como “passador” no ramo, porém, depois que o tiver laçado definitivamente dará um jeito nisso, tirando-o desse mundo e fazendo com que trabalhe honestamente.
Caminham de mãos dadas pela calçada da rua de sua casa. De onde estão até lá dois postes com lâmpadas quebradas.
“Essa é hora de chegar?” certamente ouviria de sua mãe, mesmo não sendo nem meia-noite, muito cedo para estar em casa, mas “segunda-feira é dia de branco”, como sempre diz seu genitor.  Não se esquiva das carícias mais abusadas de Maycon, ela encostada ao primeiro poste sem iluminação e ele se atarracando nela. As investidas dele não ultrapassariam o seu limite, até porque sempre soube se safar dos mais atrevidos desde seus onze anos. É seu trunfo e agradece sua mãe pelos conselhos dados. Nos seus quase dezoito anos, Maycon não é tão experiente assim para fazê-la perder o controle da situação.
Voltam a caminhar.
Duas ruas sem saída. Após a vila a primeira propriedade da zona rural do município, uma chácara, mistura de criação de porcos com plantação de café, pertencente a uma das famílias mais ricas do localidade. As casas de quatro cômodos e banheiro, os quintais murados como divisa uma com a outra, fazendo duas fileiras de vinte e cinco moradias.
Ela nunca permitiu que Maycon a acompanhasse até a frente de sua casa, penúltima da rua por nome “do Horizonte”. Dentre outras razões, a principal é porque seu pai não gosta nem de ouvir falar o nome dele, que dirá saber que estão “ficando”, mesmo com o consentimento de sua mãe. Ele sempre diz que ela é a garantia de uma aposentadoria melhor para o casal.
Depois de mais algumas carícias e beijos, despedem-se no segundo poste com lâmpada queimada, e enquanto ela caminha o trajeto restante, Maycon aguarda e corre em sua direção quando ouve seu grito.
- Meu Deus, meu Deus!
Natália está defronte sua casa, olhando fixamente para a cerca em frente.
- Meu Deus, meu Deus! – o grito é dilacerante.
No mesmo momento em que Maycon chega ao seu lado, sua mãe abre a porta da sala, atravessando o pequeno espaço de terreno, ultrapassando o portão, partindo pra cima do rapaz com intenção de estapeá-lo.
- O que fez pra minha biluzinha, seu vagabundo?
Na porta aberta surge o pai, apenas de cueca, e, com clara intenção de contribuir na agressão ao se aproximar de sua companheira, do vagabundo e de biluzinha olhando na direção da cerca, mudos, estarrecidos. Ele se posta detrás da companheira, ofegante, emudecido, estático como eles, olhos vidrados naquele ponto da cerca.
 A pífia iluminação malmente permite a visão de um homem amarrado no palanque, ensanguentado.
Da casa vizinha aparece o filho mais velho com um pedaço de ferro na mão, da outra casa a mulher mais neurótica da vila, já acompanhada de um e de outro morador.
- Não! Não! O que fizeram com o coitado do sorveteiro? – a imensidão absorve seu grito histérico.
O pequeno grupo observa, momentaneamente sem ação, e aos poucos clareia a visão de Cidinho, nu da cintura pra cima, filete de sangue dividindo seu rosto, seu peito, marcando sua calça jeans, respingando em seu tênis.
- Ele está mortinho da silva, melhor avisar os “home” – sugere o moço com o pedaço de ferro na mão, curvado em direção ao magro corpo sem vida.
João Neto

terça-feira, 14 de maio de 2013

Texto II (O azar do venturoso Cidinho, o sorveteiro)


(continuação)

SEGUNDO


 Dito Mensura, Mário Coceira, padre Amílcar, Rosinha,  Chico Estrondo

Dia seguinte. Domingo outonal.
Padre Amílcar dá a benção, encerrando a missa das nove.  
Deixando o interior da igreja matriz, os fiéis se dispersam, alguns em direção à feira livre na rua ao lado, à padaria do outro lado, outros rumando até os carros estacionados, outros rodeando o carrinho de pipoca, a barraca de pastéis, outros se aproximam do palco da praça em frente onde a banda municipal se prepara para a apresentação.
Dito Mensura e Mário Coceira conversam sentados num dos bancos da praça, observando os netos acompanhando o espoucar de pipocas enquanto esperam a vez de serem atendidos pelo velho pipoqueiro.
Na sacristia padre Amílcar desveste a túnica, auxiliado por Rosinha, solteira por opção e beata por vocação, enquanto medita sobre a frequência cada vez menor dos fiéis nas celebrações litúrgicas. O que gera diminuição na coleta, tornando-se necessária a busca de recursos em outras fontes. O que faz surgir outra questão, a proibição do bispo diocesano de bebidas alcoólicas nas quermesses e festa do santo padroeiro. E, sem cerveja, diminuição da arrecadação.
- Isso não é nada bom, nada auspicioso – lamenta Dito Mensura, acompanhado no lamento por Mário Coceira, os dois homens de olho nos netinhos brincando de correr pelas alamedas, derrubando pipoca dos saquinhos por onde passam.
Os jovens músicos afinam os instrumentos.
- De modo que se fazem urgentes e necessárias as devidas providências – se manifesta firme e forte Dito Mensura, acompanhado diligentemente por Chico Coceira, os dois homens na vigilância dos netinhos e na observância dos preparativos da banda.
As pessoas se aglomeram na frente do palco e pelos bancos ao seu redor.
- Fazer o quê? – a conformação de Dito Mensura é acompanhada por Chico Coceira.
Os dois homens ficam em pé, pois o ajuntamento de gente impede a visão do palco e vigilância mais atenta dos netinhos, a quem chamam e eles imediata e obedientemente se colocam ao lado dos avôs, a banda municipal preparada para o início da retreta.
Padre Amílcar do alto da escada perscruta a praça. Ao seu lado a tesa e temente Rosinha. Mais de metade daquelas pessoas, senão dois terços, não estão frequentando semanalmente a missa. Fica absorto no ofício de identificar no meio daquelas ovelhas as mais desgarradas ultimamente. Fiéis semestrais, fiéis televisivos. Ele ri.
O olhar do jovem religioso acompanha o caminhar ombro a ombro de Dito Mensura e Mário Coceira, ladeados pelos festivos netos.
- Interessante, Rosinha, muito interessante.
A beata segue a direção do olhar do pároco, mas se detém na pessoa de Chico Estrondo, doce ilusão do passado, ácida realidade do presente, em pé, encostado no poste de uma das luminárias.
O objeto da disfarçada querença até prestara atenção naquelas duas figuras no topo da escadaria frontal da igreja, principalmente Rosinha por quem ainda nutre sentimento nascido em acontecimentos que ficaram num passado distante, mas o fato de Dito Mensura e Mário Coceira estarem caminhando juntos na presença de tanta gente, fato raro, despertara ainda mais sua curiosidade já devidamente aguçada com a praça tão movimentada.
A banda inicia os primeiros acordes do hino nacional. Ao término, aplausos dos espectadores mais próximos ao palco, certa indiferença daqueles mais distantes. Em seguida, orgulhosamente executa o hino municipal.
O céu azul e claro abrilhanta ainda mais o domingo de outono. A paz e a tranquilidade preenchem cada canto da praça, das ruas, das casas, enfim, de toda a cidade, além dos campos verdejantes.
As pessoas aplaudem a interpretação do hino composto por uma  das melhores mentes da pequena e bucólica cidade.

João Neto

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Texto I (O azar do venturoso Cidinho, o sorveteiro)


Nota do autor. O texto que se segue talvez possa ser incluído no gênero policial, guardadas as devidas proporções de textos semelhantes da lavra de autores mais abalizados. Sua história e seus personagens são fictícios, saídos da imaginação e da invencionice de João Neto (pseudônimo do autor), não trazendo quaisquer semelhanças com acontecimentos reais ou com pessoas vivas ou mortas.



PRIMEIRO


Mário Coceira, Marialva Chupa-Chupa, Cidinho

Mário Coceira olha pra cima, pra baixo, verificando atentamente o movimento da rua. Deserta. Satisfeito, entra no escritório de sua loja estabelecida no Jardim Paulista, bairro de moradores predominantemente classe C da pequena e bucólica cidade interiorana, trancando a chave a porta.
- Então, está aí com você?  - ele pergunta,  com a frieza que lhe é peculiar, sentado em sua confortável cadeira giratória detrás da mesa do acanhado escritório, fundos do térreo do assobradado recém construído.
Marialva Chupa-Chupa sorri, retirando o pendrive que traz entre os formosos seios. Seu discreto sorriso deixa transparecer a malícia por ter percebido o ávido olhar do pequeno homem no decote generoso de seu vestido vermelho que, de tão justo, só faz realçar ainda mais as curvas sensuais de seu corpo perfeito.
- Você é demais, Marialva – Mário Coceira elogia a eficácia e a beleza morena da jovem sentada de pernas cruzadas no sofá à sua frente, deixando à mostra um tiquinho de suas coxas torneadas..
Sem desviar o olhar daquela formosura de exemplar do sexo feminino, guarda o objeto que ela lhe passou na terceira gaveta da mesa, de onde retira um envelope marrom fechado, depois a tranca a chave, colocando o molho de chaves na primeira gaveta.
– Seu dinheiro. Você o mereceu integralmente.
Marialva Chupa-Chupa descruza as pernas, num relance deixando  aparecer sua calcinha branca, ficando em pé se compõe e se coloca defronte à mesa, pegando o envelope, abrindo-o, conferindo a quantia, recolocando-a no envelope, e guardando este na carteira de couro que segura na mão esquerda, despedindo-se em seguida de Mário Coceira  com um beijo enviado com o dedo indicador e sua unha pintada em tom vermelho, dirigindo-se até a saída.
O pequeno homem quase se rela nela antes de alcançar a porta, abrindo-a. Sorrindo, sempre em silêncio, a morena passa por ele,  pelo umbral, desce os dois degraus da escada alcançando o estreito corredor externo lateral, deixando seu perfume impregnando o ambiente.
Sem olhar pra trás ela alcança a calçada, caminhando tranquilamente rumo duas quadras abaixo, onde o táxi de Rodivaldo Pé no Breque a aguarda.
- Sorvete de limão, sorvete de abacaxi, sorvete de groselha...
Cidinho, com seu multicolorido carrinho de sorvetes, dá de topa com Marialva Chupa-Chupa na esquina.
 – Desculpa – ele se escusa educadamente.
- Foi nada – ela fala suavemente, reconhecendo o sorveteiro.
Marialva Chupa-Chupa pede seu sabor preferido. Cidinho tira a tampa do recipiente e de seu interior traz sorvete de limão no palito, entregando à bela morena que lhe passa R$ 1,00 em moeda, depois retira o papel que protege a guloseima, jogando-o na pequena lixeira de plástico pendurada no carrinho. Com um aceno de mão se despede dele, retornando seu caminhar em direção ao táxi. 
- Sorvete de groselha, sorvete de abacaxi, sorvete de limão...
Cidinho retoma sua ladainha atrás da freguesia, enquanto admira o rebolar da bela mulher que se distancia.
Aonde eu vi essa morenaça?”, indaga consigo, dando de ombros por não se recordar onde teria visto tão linda mulher, observando-a entrar no veículo de aluguel – “Esse Pé no Breque é sortudo mesmo”.
Não se apercebendo da presença de Mário Coceira nos degraus de sua pequena loja de tintas, prossegue a labuta do pão nosso de cada dia.
- Sorvete de limão, sorvete de abacaxi, sorvete de groselha...
Mário Coceira caminha pelo estreito corredor lateral em direção ao escritório falando ao telefone celular.
- Ele abriu o bico? - indaga Rodivaldo Pé no Breque à Marinalva Chupa-Chupa, enquanto a visualiza pelo retrovisor, mas atento ao movimento de veículos na rodovia.
Estão próximos à entrada da boate, distante cerca de dois quilômetros do centro da cidade.
A bela morena, com um movimento de cabeça, responde negativamente.
Ele é esperto. O desgraçado é esperto.”, o taxista conclui consigo mesmo, enquanto dá três toques na buzina, sinal combinado,  em frente ao grande portão da pequena chácara onde funciona a casa noturna mais afamada da região.

(continua)
(João Neto)

domingo, 12 de maio de 2013

Aquela jovem mãe...


Vi, ontem, no aeroporto uma jovem mãe a beijar sua filha recém-nascida. Pediu-me uma bênção para ela e para a criança: frágil e esperta vida de seis meses, chamada Karina com K. Marido ao lado, abençoei-os. Como creio em Deus, padre católico que sou, pedi em voz alta ao criador daquela família e daquela vida, muita luz para os três saberem chegar sãos e salvos ao futuro.
Quando seguiram pelo saguão olhei aquela mãe carinhosa de 22 anos a beijar a vida que ela dera á luz, o braço do marido em seus ombros. Belíssima cumplicidade! Fiquei pensando nos obstáculos que esperam a mãe e a pequena vida. O peso maior nos primeiros anos estará sobre a jovem mulher. Cuidados intensos com a saúde da Karina, sobressaltos, noites indormidas, amamentação, higiene, alimento, medicina, vigilância permanente, colo, proteção, preces, angústias, risos, alegria, torcida, choro, medo, encantamento… tudo por causa da maternidade. O primeiro filho é o “Oscar” ou o “Grammy” de um amor que deu certo.
Com 22 anos, sua Karina talvez seja uma jovem mulher bonita como a mãe e talvez ame um rapaz bonito e atencioso como o pai. E se o rapaz não for bonito será o amor da sua vida, por outras qualidades que ela verá nele. Mas, para chegar lá, a mãe vai pedir a Deus que poupe sua filha de graves doenças, de acidentes, de sequestros, de violência, de bandidos que vierem roubar sua casa ou seu carro, de alimentos estragados, de diagnósticos errados, de companhia erradas, de falsas amigas e falsos amigos, de traficantes, de drogas e bailes sujos e sem ética, da influência de maus conselheiros que agem na mídia propondo soluções imediatistas e as delícias do vale tudo para ser feliz. Orará para que sua filha preze a dignidade, aprenda o que é ser mulher, o que é amar e ser amada e, um dia, gerar mais uma vida.
Tarefa gigantesca a daquela jovem mãe. O marido, sem dúvida lhe dará apoio. Via-se encantamento nos olhos dele. Mas ele sabe, e não há quem não saiba, que a mulher é quem lava o maior fardo da educação dos filhos. Pareciam prontos para a vida a dois. A vida que levavam naquele voo para que a vó paterna conhecesse era o bem mais precioso de sua juventude, junto á fortuna de se haverem conhecido na mesma faculdade.
Orei mais uma vez por eles. Fácil não será. Casar nunca foi fácil. Viver direito também! Algo me diz que conseguirão. Quem pede preces é porque sabe que precisa de ajuda!

Pe. Zezinho

(extraído do site: http://www.padrezezinhoscj.com)

sábado, 11 de maio de 2013

Poesia (Sobre o amor)


Eu não sou escravo do amor
Mas dele também não sou senhor
Não o procurei ávido
Nem inerte fiquei a sua espera

Ah! Do amor não fiz quimera
Nem pedra de gelo a derreter
Por ele não aceitei acordo tácito
Nem desejei sua ação subverter

Pelo amor por nuvens não caminhei
Nem mergulhei em rios desconhecidos
Por ele sigo tranquilo por seguras trilhas
E sacio a sede em mina de águas puras

Ah! Pelo amor não fiz falsas juras
Nem estive envolvido em fúteis intrigas
Por ele convivo com a natureza e amigos
Ao lado da mulher a quem sempre amei
João Neto

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Poesia (Assombrado)


Quando na sexta-feira à meia-noite brilha a lua
E prudente o vaga-lume desliga seu farol
Um ente perambula numa certeza pela rua

Na cabeça multifacetada fluorescente urinol
Seu corpo híbrido vestido de branco lençol

Completa a mortalha vermelho cinto sem fivela

Alguém tromba com ele e grita “quimera”

Criatura! Deveria antes deixar de fugir
Em desabalada carreira até na esquina sumir

Então veria nessa longilínea figura anjo decaído
Que antes do amanhecer tornará a fluído
E sem seu querer à imensidão a levará consigo
João Neto

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Poesia (Corte de Facão)


Eu me vi cortado de facão, surpreendido
Pelo golpe de quem eu tinha acreditado
Eu me protegi sob a verdade, desnorteado
Por desconhecer a razão de ter sido ferido

Eu me fiz silêncio, aperreado
Pela desventura de ter sido abatido
Do traiçoeiro golpe não tendo me prevenido

Eu me fiz de morto, combalido
No cimento frio alquebrado

Eu me vi sozinho, por todos desacreditado
João Neto

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Poesia (De que me adianta...)


De que me adianta ter ambição
Se quando preciso
Não sei se da sorte passo ao largo
Ou cravo no peito dobrado
Como ferradura enferrujada
Na branca parede pendurada

De que me adianta ter razão
Se quando preciso
Da desilusão arremato um fardo
Que carrego no peito sambado
Como sina desorientada
Na branca parede traçada

De que me adianta ter emoção
Se quando preciso
Minha vontade como desenho animado
Perambula no peito estafado
Como imagem esbulhada dessas malfadadas
Na branca parede espraiadas
 João Neto

terça-feira, 7 de maio de 2013

Poesia (Se eu falasse...)


Se eu falasse ao menino
Das armadilhas do destino
Ele talvez me considerasse sem tino
E me desse um pinico

Se eu falasse ao adolescente
Das agruras de ser renitente
Ele talvez me considerasse demente
Se não tivesse um faniquito

Se eu falasse ao jovem
Da incoerência de se ligar ao modem
Ele talvez me considerasse bicho-homem
Ou quem sabe velha linotipo

Se eu falasse ao moço
Da ganância pungida do fundo do poço
Ele talvez me considerasse insosso
E me mandasse embora num grito

Se eu falasse ao velho
Que o céu não se ganha no xaveco
Ele talvez me considerasse cacareco
E sem pudor me carimbasse como maldito

Então eu me calo... não por muito tempo
João Neto