sábado, 31 de agosto de 2013

Poesia (À moça de nariz pontiagudo)

Fiquei triste com tua pequenez
Daqui por diante garanto
Só falo contigo sobre pirotecnia
Então sozinha qualquer outro dia
Pendurada pé no vazio, pé no barranco
Aí fotografarei teu bolsão de altivez
João Neto

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Poesia (Coisas que acompanham a gente)

                           1957, nasci numa tarde quase anoitecer
1967, fiquei no receio de estudar e não aprender
1977, senti o amor no peito florescer
1987, ponderei o terceiro milênio não ousar conhecer
1997, vivi a idade que muitos não chegaram ter
2007, cantei os louros de meio século sobreviver
Agora percebo me acompanharem coisas desde o meu nascer
Me acompanha e protege a benção que só mãe abençoa
A imagem da professora que me ensinou os números não temer
O primeiro amor que ficou fincado em meu coração insano
Os objetos que envelhecem e por eles a gente se afeiçoa
A saudade das amizades que se foram pra outro plano
Tantas certezas e incertezas da última porta abrir e a luz ver
João Neto

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Conto (Mané Pequeno anda sumido)

Na sala reservada do bar de Toninho das Perucas estão reunidos os sócios do clube ”Óia os Sessentões Aqui Tráveiz”.
Mirtão, Paulo Sóbrio,  Zico Falador, Tonhão da Catraca, Abelardo das Flores, Ronaldo Fio de Cobre, os irmãos João Perna Torta e José Bicanca, Bino Tarraxa, Melo Miolo Mole e o próprio Toninho das Perucas, que inclusive cerrara as portas do estabelecimento para que a reunião transcorra na calmaria.
Como de costume, cada membro tem à sua frente sua garrafa de cerveja e seu copo, conforme estatuto.
Mané Pequeno anda sumido, por consequência, era o único sócio ausente e novamente o assunto da reunião.
- Ao nosso eterno presidente – saúda Toninho das Perucas, levantando seu copo cheio de cerveja, sendo acompanhado por todos os demais no gesto, bem como na talagada que consome todo o líquido.
Enquanto os copos são reenchidos – eita sô – os homens permanecem em silêncio.
Mirtão está fora de combate. Logo, o clube não pode mais contar com seus serviços de conquistador.
Melo Miolo Mole, que enquanto na ativa tinha faro para localizar  pessoas desaparecidas, procurou pelo presidente nos últimos dias, e nada de nada, mas pediu mais tempo para a empreitada que se apresenta cada vez mais difícil e incomodante.
- Ao nosso eterno presidente – nova saudação e bebericada.
Mané Pequeno anda sumido, o segundo solteiro do clube que se mete em confusões de paixões. Na verdade, o primeiro. Mirtão foi o segundo.
Mirtão está fora de combate. O clube espera que não se baldeie para a conduta de Mané Pequeno.
- Ao nosso eterno presidente – terceira saudação e bebericada.
Palmas em frente ao bar fechado.
Toninho das Perucas se levanta, saindo da sala. Os dez homens restantes enchem seus copos de cerveja, além do copo de Toninho das Perucas.
- Senhores – a voz do mencionado soa entra grave e solene, com leve sotaque preocupativo.
Vinte olhos convergem em direção da porta da sala.
Toninho das Perucas não está só. Se faz acompanhar dela, a sensual mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros 
Até a lagartixa, moradora fixa no local, cessa correria pro lado do vão no forro de madeira, e fixa a porta.
“A mulher é bonita mesmo... mais que bonita linda, mais que linda maravilhosa, mais que maravilhosa única” certamente pensaria ela, se lagartixa pensasse.
Ah! O que lagartixa venha a pensar não é o caso aqui. O fato é que a sensual mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros está na porta, sorriso nos lábios carnudos realçados pelo discreto batom, contemplando dez sujeitos sentados, braço esticado, mão segurando o copo, estáticos, paralisados, atônitos.
- Entra, senhora –  pede gentilmente Toninhos das Perucas – senta à mesa com a gente – oferecendo-lhe uma cadeira na cabeceira.
Imprudente Toninho das Perucas, isso sem contar que está desrespeitando o estatuto no seu mandamento mais sagrado. Mulher não pode estar presente na reunião. Simples e direto esse mandamento.
Então...
- Desculpem-me, moçada, atrasei-me em razão... – Zé da Truta chega esbaforido, entrando de supetão na sala em direção à sua cadeira, sequer percebendo a presença tão ilustre no outro lado da mesa e, quando termina de encher seu copo de cerveja, ao olhar para os demais então percebe que não estão nem aí com ele, rostos voltados pra aquela mulher – Epa! Quem é essa dona? – o “filosófo” pergunta, enquanto leve o copo em direção da boca ávida a recebê-lo.
João Neto

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Conto (Mané Pequeno anda pensativo)

Mané Pequeno anda pensativo.
Não que ele se dê ao luxo de perder muito tempo em pensar. Quase sempre age por instinto, o que vez ou outra lhe trouxe complicações e alguns desafetos.
Certa vez de retorno pra casa, a pé, em companhia de Paulo Sóbrio, amigo de longa data, percebeu um casal discutindo na praça que fica ao lado do lago artificial existente na entrada da vila onde residem. Na verdade, a moça esbravejava enquanto sujeito permanecia cabisbaixo, quieto, ele foi se aproximando mesmo com Paulo Sóbrio pedindo pra deixar pra lá... Não vem ao caso esse acontecimento; na verdade, nem deveria ter sido mencionado.
O que importa é que Mané Pequeno anda pensativo.
A rapaziada do “Óia os Sessentões Aqui Tráveiz” não se conforma com essa fase pra lá de persistente do eterno presidente do clube.
- Devemos dar um ultimato em “Mirtão”.- foi a proposta logo após o jogo de sábado.
Dito e feito. Reunião ordinária no bar do Tonico das Perucas.
- E, então, Mirtão, desembucha logo...
Mirtão. Primeiro reserva do time, solteirão convicto, conquistador afamado apesar de seus cento e cinqüenta e cinco centímetros de altura, físico de uma ameba (seja lá o que signifique ter físico de ameba), cavanhaque cultivado desde os idos da adolescência, cabelos a brilhantina, voz que faz jus a todo o espectro anunciado.
Na última reunião extraordinária acontecida oito dias atrás tinha se decidido que ele se aproximaria da sensual mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros,  causa primária – na ótica de todos os sócios remidos – daquele estado de espírito de Mané Pequeno.
Mirtão enche seu copo de cerveja, bebe lentamente, enquanto os demais companheiros aguardam seu relatório pormenorizado. Depois de ingerir todo o líquido, depositar o copo vazio sobre a mesa, olhando fixamente pra todos.
- Estou apaixonado – anuncia num suspiro desvairado.
.Mané Pequeno anda pensativo. Sentado solitário num dos bancos da pequena e arborizada praça, contempla as águas do lago artificial. Suspira.
- Não disse... Olha só o olhar de peixe morto, os ombros caídos, o queixo encostado no peito, barba por fazer, a roupa toda amarrotada.
- Já vi. Já vi.
- Nosso presidente nunca foi assim. Se um dia conheci alguém engomadinho em minha vida, esse alguém é nosso presidente.
- Também nunca conheci alguém... Não. Minto. Conheci sim, mas faz muito tempo, eu inda era moço, mais para meninote... Acho até que o sujeito já é falecido, ou não... Hummm! Não sei ao certo, até porque não mais o vi depois que ele mudou de cidade, estado até, por causa do par de chifres...
- Eita! Deixa dessa bobagem.
As duas mulheres, que até nem parecem mãe e filha de tão bonitas e jovens, no vespertino jogging diário no calçamento de pedrinhas que circunda externamente o lago artificial,  estranham aqueles dois senhores que  cerca de dez minutos estão detrás da frondosa árvore que faz sombra ao mais que conhecido senhor sentado solitário no banco.
Mário Pequeno anda pensativo.
E agora mais essa: Mirtão apaixonado.
- Quer saber?
- Não quero, pois sei que vem mais uma besteira.
- Eu não vou mais ferroar a moça. Antes de sábado vou chegar nela, olhos nos olhos, e dizer com todas as palavras silabadas o quanto é estraga prazer.
- Não devia, mas vou perguntar. O que quer dizer com “estraga prazer”?
- Estraga prazer? Ora, o que significa, ou seja, essa sensual mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros  que tanto falam é uma tremenda estraga prazer;.
- Vai dizer isso tudo é?
- É só me mostrarem quem é ela...
- Não seja por isso. Ela está correndo em volta do lago. Aliás, olha ela ai vindo pra esse lado na companhia da outra mocinha.
- Hã?
João Neto

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Conto (Mané Pequeno anda preocupado)

Mané Pequeno anda preocupado.
Os amigos chegados estão antenados para elucidar a causa dessa preocupação que o faz tão macambúzio, uns para ajudá-lo a superar essa fase difícil, outros para tirá-lo desse caminho sem volta para a depressão.
- Fossa...
- O que disse!!??
- Ele está na fossa.
- Agora judiou. “Fossa” é mais antigo que a milenar “bica d’água” lá na baixada onde fica minha casa. Você tá bem?
Mané Pequeno anda preocupado.
No churrasco depois do jogo de sábado passado, os amigos até incentivaram que ele bebesse além da cerveja geladérrima um gole de caipirinha preparada por Paulo Sóbrio, fixo do time e afamado “caipirosqueiro” do clube dos veteranos “Óia os Sessentões Aqui Tráveiz”.
Clube, aliás, que Mané Pequeno é sócio-fundador, carteirinha nº 02 e primeiro presidente.
Voltando ao incentivo. Não deu certo, ele não ingeriu uma gota de álcool no sábado em questão e até foi embora mais cedo, bem mais cedo, saindo às escondidas, evitando chamar atenção dos amigos.
O que alertou ainda mais os ditos cujos, visto que todos perceberam essa atitude inusitada do mais festeiro dentre eles.
- A coisa ta feia.
- Nãããão?
- Mas está ué.
- Você fundou a República dos Marolos agora. Ninguém tinha percebido o que acabou de nos dizer... Ninguém.
Mané Pequeno anda preocupado
- Só pode ser ela... só pode.
- Quem?
- Aquela danada da moradora da última casa da rua principal de nossa vila.
- A sensual mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros?
- Essa. Exatamente essa dita cuja.
- Pelo menos, agora deu uma dentro.
Convocada reunião emergencial dos sócios exatamente às dezoito horas da sexta-feira, ou seja, logo mais, no estabelecimento do Tonico das Perucas, pivô do time e proprietário do bar e sede informal do clube. Presença obrigatória, exceto a de Mané Pequeno por motivos óbvios.
Duas caixas de cerveja depois, o consenso.
“Mirtão”, veterano conquistador de trintões corações femininos e primeiro reserva do time, foi incumbido de mostrar cabalmente ao eterno presidente Mané Pequeno que sua tristeza não faz sentido, pois a causadora dela é mulher por quem nenhum homem pode se embasbacar sem que sofra as consequências de uma desilusão tão certa como fósforo apagar o facho logo depois de ter sido acendido; mesmo assim, se acabar sendo fisgado, melhor arrancar o anzol da boca e enroscar na nadadeira do primeiro traíra que passar por perto.
Esta última sentença partiu da boca de Zé da Truta, técnico do time, emérito beberrão e “filosófo” nas horas vagas.
- Quem mexe com um de “nóis”, mexe com todos “nóis”, mexe em vespeiro...
- Você está meio que apalermado por esse dias, não está?
- Pode ser...  Mas já estou afiando meu ferrão para ferroar essa moça danada.
- Ferrão?
- É u é! Afiadíssimo.
-Termine sua cerveja e vamos embora. Ferroar... Só me faltava essa, uma bes.. uma vespa como amigo.
João Neto

domingo, 25 de agosto de 2013

Poesia (Reticências, pacato cidadão)


Eu denuncio a moça de saia rodada fazendo graça no coreto
Eu denuncio o mandatário que espalhou no canteiro seu respeito

Eu denuncio o moço no remelexo por um pedaço de pão
Eu denuncio o mandatário com o saco de trigo na mão

Eu denuncio a velha na chuva de sombrinha fechada
Eu denuncio o mandatário levando o bolo sem repartir nada

Eu denuncio o velho escondendo no bolso seu minguado tostão
Eu denuncio o mandatário se refestelando por meio milhão

Reticências, pacato cidadão

De que me adianta denunciar se na chamada da maracutaia
Respondem o velho, a velha, o moço e a moça de saia?
João Neto

sábado, 24 de agosto de 2013

Transcrição (textos extraídos de "No que estou pensando"- facebook - sorvetedegroselha - João Neto)

20.08.13
No que estou pensando? Sei lá... O vento traz sensações... Tantas casas de janelas e portas fechadas pouco adiantaria, pois os vãos deixariam o vento entrar. Ai é que está... o vento passou, em nenhuma casa entrou, e as sensações levou, misturando-as às ondas mar.

20.08.13
No que estou pensando? Sei lá... De repente contar pelo em ovo? Não, contar pelo em ovo não, o ovo que fique equilibrado sobre a mesa de mármore. Escrever o próximo número depois do último número possível? Não, não tenho paciência de
ficar escrevendo uma multidão de zeros depois do um. De repente caminhar completamente pelado pela rua mais escura da cidade? Não, isso não, pois sou tão azarado que acabo dando de topa com os "homens" fazendo ronda em plena madrugada nessa rua sem saída de apenas duas casas, sendo uma delasassombrada. Já sei: fungar no cangote de algum baixinho puxa-saco que só traja casaco. Hummm! Não. Fungar no cangote de puxa-saco e baixinho que só se veste de casado é o ó. Quer saber? Pra não desperdiçar fungada, vamos encarar os "homens".

20.08.13
No que estou pensando? Vejamos, vejamos... Dois anões jogavam xadrez cujas peças tinham fotos de gente ilustre estampadas... Duas gigantonas se postavam detrás deles e riam as pampas... Aí alguém do povo muito curioso se aproximou pra bisbilhotar as fotos fixadas nos peões, nas torres, nos cavalos, nos bispos, no rei e na rainha. Nem chegou perto... bem antes  levou um cascudo na nuca do vigilante operante que depois subiu novamente na escada para dar lustro no lustre de mil lâmpadas, nove apagadas. As gigantonas de maiôs nem deixaram de rir, os anões de calções e camisetas cavadas de jogar... e aquele que levou o cascudo voltou para o meio do povo com a curiosidade aguçada.

21.08.13
No que estou pensando? A primeira pessoa sente-se feliz, a vida lhe abriu uma porta. A segunda pessoa na expectativa, esperançosa que a vida lhe abra uma porta. A terceira pessoa na incerteza se a vida lhe abrirá uma porta. Estão lado a lado. Silenciosas, o olhar fixo à frente, sem desviar a atenção, sem perceber o silêncio entre aquelas quatro paredes. E a solidão no espaço entre elas. Do lado de fora as demais pessoas nos afazeres diários, no cotidiano, no mundo acimentado, na indiferença das horas.

22.08.13
No que estou pensando? Hummm... Na paz. E pra alcançar essa paz, faxinar o espírito, dar um banho de cheiro no coração, uma boa varrida nos pensamentos e não deixar debaixo do tapete a sujeira, na verdade, dar-lhe o devido destino, a lata de lixo. Bão, muito bão “a arrumação”. Então, sair por aí e viver a vida numa boa, sempre próximo de alguém, transmitindo-lhe a paz que se impregnou na pele... "Ei!" - Zé da Truta, emérito beberrão e "filosófo" nas horas vagas, chama minha atenção - "tá esquentando a cerveja no seu copo". Eita!

23.08.13
O que estou pensando? De repente... topar com o Topo Gigio? Antigo hein? Tá bom, tá bom... Escorregar pelo corrimão e aquela bolota bem lá na ponta debaixo só na espera, só na espera... aaaai? Tô abusando. Que seja... surfar nas ondas do rádio (alguém cantou isso, alguém cantou). Eita! Deve ser falta de assunto, deve ser... Falta de assunto? V a g a b u n d i c e... E não é? (risos).

23.08.13
No que estou pensando? Então... É, pode ser... Não, não pode ser... Ou será? Sei não se já não foi... Ai aiai... “Pule do barco, pula vá” incentivam os marinheiros... “Salte do avião sem medo” incentivam os pilotos... Ará, nem sei nadar e nem tenho asas... Óia os caras, pensam que sou peixe, pensam que sou pássaro... Bocós demais eles.

24.08.13
No que estou pensando? Então...  Eu denuncio! (a voz titubeante do rapaz de camiseta, bermuda, boné na cabeça e chinelo nos pés e fome de justiça ecoa pela sala abarrotada de gente desinteressada e curiosa, “paus mandados”)... Cale-se! (a voz imperativa do mandatário embrionário se faz ouvir sobressaindo ao eco). 

24.08.13
No que estou pensando? Então...  Com seu grito de guerra e munido de arca de flecha, o índio irrompe na sala principal, iluminada como um plenário, do prédio moderníssimo da pequena e bucólica cidade... Entre a porta envidraçada e início do corredor central, o velho ululante lhe passa uma rasteira... O índio rola corredor central abaixo, chocando-se contra a frente do palco ou algo assim, onde nove e outros dois maçantes observam indiferentes.  A platéia, gente desinteressada e curiosa, “paus mandados”, aplaude, ri, vaia, sem perceber que índio é irmão de sangue do rapaz de camiseta, bermuda, boné na cabeça e chinelo nos pés.

24.08.13
No que estou pensando? Quer saber... Vou botar meu bloco na rua.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Poesia (Indeciso)

Por que escrevo?
Eu lá sei se nem leio
E se leio, não manjo inglês.

Epa! Escrevo estrangeiro?
Não creio.
E se escrevo é porque estou bêbedo.

Bêbedo? Mas eu não bebo.

Sua vez.
Por que lê meus versos se as letras são miúdas?
Descansa tua cabeça no travesseiro.

Moça, sentimentos não são figuras
Psicodélicas, sérias,
Imagens de avatar.

Em nosso sonho, surfando em teu olhar
Fico indeciso, sou poeta
Ou moço que a paixão pra todo canto leva?
João Neto

Música (A Verdade é Bem Maior)

M
 

e
disseram que há mais gente crendo menos
Que a ciência não precisa da religião
Não discuto qual das duas é melhor
O que eu sei é que a verdade é bem maior

O que eu sei é que além do horizonte existe uma luz
Que brilha sempre, sempre, aleluia, amém
O que eu sei é que quando escurece aqui dentro de mim
Para além do horizonte existe uma luz que não tem fim (2 X)

Me disseram que a verdade é relativa
 

E que a fé também não precisa da religião
Não discuto com meu interlocutor
O que eu sei é que a verdade é bem maior

O que eu sei é que além do horizonte existe uma luz
Que brilha sempre, sempre, aleluia, amém
O que eu sei é que quando escurece aqui dentro de mim
Para além do horizonte existe uma luz que não tem fim (2 X)

Me disseram que Jesus já é passado
Que cedeu seu lugar para um outro pregador
Não discuto sobre um novo libertador
O que eu sei é que a verdade é bem maior


O que eu sei é que além do horizonte existe uma luz
Que brilha sempre, sempre, aleluia, amém
O que eu sei é que quando escurece aqui dentro de mim
Para além do horizonte existe uma luz que não tem fim (2 X)

(Padre Zezinho, música e letra)
www.youtube.com/watch?v=CisoN_p5zy0


Acredite... a verdade é bem maior... e está em nosso coração, em nosso pensar, em nossos olhos, em nossa voz, em nosso ouvir, em nosso cheirar, em nosso paladar... em nossas mãos, em nosso caminhar.
João Neto

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Conto (Devaneio matinal de Mané Pequeno)

- É mais ou menos assim... nem tá ruim, nem tá bom, mas também não tá lá essas coisas, mas até pode melhorar, claro, se nada acontecer que contrarie essa minha previsão.
Mané Pequeno escuta por simbiose seu vizinho e amigo de longa data, quarenta e cinco anos ou mais, os dois sentados no surrado banquinho de madeira estrategicamente colocado na calçada junto ao muro de sua casa, defronte a rua principal da vila periférica e populosa onde moram há mais de vinte e dois anos.
Manhã de quinta-feira. Apesar das nuvens se acinzentando, o dia está claro, surgindo nos espaços entre elas o azul do céu e o sol envergonhado que ilumina aquela pequena e bucólica cidade interiorana.
- Pois é como eu digo sempre. Se quarenta vezes fosse tentado, quarenta vezes impediriam. E essa balbúrdia toda é que leva a esse caos.
Mané Pequeno observa a moradora da última casa da rua que se aproxima. Toda manhã é  colírio aos seus olhos míopes e sua visão cansada.
- O que aconteceu na segunda-feira é o início do fim...
Mané Pequeno se prepara para o cumprimento esperado ansiosamente todos os dias, desde sempre.
- Bom dia – a voz sensual da mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros chega os seus ouvidos como melodia suave.
- ... e eles pensam que somos trouxas, imbecis...
Mané Pequeno segue com o olhar a mulher de corpo perfeito se afastando naquele caminhar que realça ainda mais sua beleza.
- ... mas ninguém perde por esperar, quem viver até lá verá e os mortos se coçarão no caixão por perder tamanho acontecimento...
Mané Pequeno dá vazão aos seus devaneios e, enquanto ela se distancia, imagens psicodélicas permeiam seu pensamento e espalham-se pelo ambiente. O futuro caminhando de mãos dadas com tão bela mulher, enquanto o passado se perde pelo caminho e o presente se aninha em árvores sem folhas e de galhos secos. Ele não se esquiva de sonhar.
- ... não se deve semelhar em terreno alheio e nem vender o fruto que não plantou, e o pior, muito menos em querer o bolo sem dividir com todos...
Mané Pequeno sonha de olhos abertos, deixando ecoar em seus ouvidos a maviosa  voz dizendo “bom dia”.
- ... só porque agora todos sabem quem é quem e quem não é quem e quem poderá ser quem e quem pensa que é quem não significa que agora um ou outro são “os caras”, “os tais”. Humildade é bom e conserva. Claro, se o pote for aberto depois da data de vencimento, aí de nada adianta ter conservado.
Mané Pequeno retorna de seus devaneios e olha a realidade à sua volta, exclamando de chofre.
- Estonteante...
Seu amigo o encara meio ressabiado, e continua na ladainha.
- Posso estar enganado nessa minha previsão, mas se eles pensam que somos imbecis, que fiquem pensando.
Mané Pequeno suspira.
João Neto

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Poesia (Vou assentar praça na toca mais feia)

Não quero ser contra, nem a favor
Não quero me calar, nem me indispor
Não quero sentar, nem caminhar
Não quero viver na pompa, nem miserar

Não quero estar acima, nem abaixo
Não quero sentar à sombra, nem caminhar debaixo do sol
Não quero ficar à solta, nem no encaixo
Não quero falar sério, nem besteirol

Pois então a quem seja direito entrego a chave mágica
E vou de mudança para Pasárgada...

Pasárgada? Vou não... é imaginária
Vou assentar praça na toca mais feia

E me danar de rir quando a banda passar
João Neto

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Poesia (Nuances circenses II)

Os leões domesticados não rugem, miam,
Os gatos selvagens estão irados na jaula.
Tum, tum... O domador bate na porta do patrão
E o gigante de cavanhaque não atende,
Está servindo chá para a anã carente.

Os leões domesticados não rugem, miam,
Os gatos selvagens entortaram a grade da jaula.
Tum, tum... Bate descompassado o coração
E o moço de cabelos com brilhantina não entende,
Está servindo bolachas para a anã indolente.

Os leões domesticados não rugem, miam,
Os gatos selvagens escafederam para a mata.
Tum, tum... A lona veio pra baixo com a explosão
E o adolescente de barba não se surpreende
Com a fuga da anã com o caipira imprudente.
João Neto

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Poesia (Nuances circenses)

Ou rugem ou miam os leões a solta no picadeiro.
Selvagens ou mansos os leões a solta no picadeiro.
Então por que o silêncio?

Nas arquibancadas e nas cadeiras numeradas as pessoas estão em silêncio,
Nós que entramos às escondidas por debaixo da lona estupefatos.
Por que o silêncio nesse alvoroço todo, nessa barulheira desorganizada?

Sorrateiramente a leoa se queda arteira no centro do palco,
Iluminado palco,
Pelo galã que se equilibra no arame esticado, gostosa refeição.

Onde estão os palhaços? Espetáculo chinfrim.
Sem palhaços, sem brincadeiras... Pra que serve circo assim?
Nós que entramos às escondidas por debaixo da lona estupefatos.

O mestre de cerimônia encerra o espetáculo.
A maioria pagou meia-entrada, outros não pagaram nada.
E esse silêncio na arquibancada e nas numeradas?

Os leões a solta no picadeiro, ou rugem ou miam...
Não, não... a leoa não está mais com fome...
Lá em cima o arame esticado e mais nada.
João Neto

Crônica (Escolher feijão, fritar ovo e a mastodonte sabedoria)

Viver, diz Zé da Truta, é como escolher feijão para cozinhar.  Enquanto estamos neste ato de escolher, separamos o bom e o ruim, diz ele, jogando o ruim no lixo. Outras opções até podem se apresentar como num leque... mas no fritar dos ovos restam apenas a clara e a gema no ponto, desde que saiba o que está fazendo quem está em frente à frigideira (outra frase de Zé da Truta).
Deixemos a cozinha pra lá. O feijão já está na panela de pressão a pleno vapor, e o óleo na frigideira no fogão de lenha.
Viver, diz Zé da Truta, também é enfrentar dilemas que surgem à nossa frente num mosaico musical. Continua ele, ora são melodias melosas, ora melodias alegres, ora fados de torrar a paciência, e por aí vai. O entrave, conclui, é quanto nossos ouvidos estão aptos a ouvir, sentir a sonoridade dessas melodias.
Deixemos as canções pra lá. De repente nos tornemos excelentes dançarinos, não é mesmo?
O que estamos a perceber é que alguém está sendo fritado lentamente. Alguém com quem uma vez ou outra conversamos por ser inevitável recusar a conversa,, ou alguém com quem encontramos nos ambientes que frequentamos e cumprimentamos com um leve sinal de cabeça para evitar maior aproximação, ou até alguém que mudamos de calçada quando percebemos estar vindo em nossa direção. Não interessa. Interessa que alguém está sendo fritado.
Deixou de segurar o cabo da frigideira e passou a ingrediente, ou melhor, o ovo que está para ser quebrado e sua gema e sua clara fritados.
Viver, diz Zé da Truta, também é fazer amigos, pedras de barro molhado para nosso estilingue. Não concordo. Nessa ótica de Zé da Truta, emérito beberrão e “filosófo”, até tenha sentido essa máxima visto que sua percepção está além de nossa compreensão. Só o amanhã confirmará ou não tal filosofia.
O que estamos a perceber é que se esse alguém possa estar pronto para a fritura, talvez a preparação, ou arquitetura, desse ato ecumênico tenha se principiado em seu círculo de amizade, pois quanto às demais pessoas, esse alguém é indiferente, aliás, cada vez mais indiferente.
Enfim, independente se acontece numa megalópole ou numa pequena e bucólica cidade interiorana, o fato é o mesmo.
Quem muito se lambuza no mel chama a atenção do tamanduá, e abraço desse bicho não é fácil não.
Outra frase de Zé da Truta? Claro. Nosso emérito beberrão e “filosófo” é muito observador. Num desses sábados à tarde, sentado tranquilamente num banquinho de madeira na calçada em frente ao “bar mais antigo da cidade”, saboreando sua bebida preferida, cerveja, quando essa pessoa passou imponente em seu veículo reluzente, Zé da Truta disse em relação à ela, “espero que sua mastodonte sabedoria a faça entender que essa efêmera claridade descarregará rapidamente a bateria de sua exposição pública e, mais certo que o dia e noite são gêmeos univitelinos, não terá como recarrega-la ou substitui-la, bem como, em razão dessa imponência toda, não encontrará ninguém para lhe fornecer combustível para reacender o esquecido candeeiro da esperança de voltar a ser o que um dia foi”.

Corte rápido.
João Neto

domingo, 18 de agosto de 2013

Música (O silêncio está cantando)

O silêncio está cantando
Uma canção de amor e paz
O silêncio está rezando
Uma oração por seu irmão

Muita gente vive sem amor
E tem solidão
Mas aqui nesta casa do Senhor
Solidão não existe não

O silêncio está gritando
Pedindo paz, gritando amor
O silêncio está falando
Põe teu amor no teu Senhor

(música: O silêncio está cantando, autor: Padre Zezinho)
João Neto

sábado, 17 de agosto de 2013

Poesia (Perdição)

Nem toda fruta é maçã do Jardim do Éden
Nem a pureza carece
sentir o doce sabor do pecado
liberto das amarras da inocência

Nem toda melodia é o embalo do adormecer
Nem a amante carece
sentir o afago de seu bem querer
quando acorda lânguida ao alvorecer


Ah, senhora, quisera eu teus favores merecer
Aceitaria o desterro de bom grado
Fazendo dessa venturosa imprudência
Uma aventura que ninguém mais ousou viver
João Neto

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Poesia (Estiagem)

Estiagem

Redemoinho
Trazido pelo vento
Vindo de trás da serra
Em seu girar trafega
Algo que na vida se encerra
No campo infecundo
O pensador solitário
Mente ressecada
Pelo sol inclemente
Desesperança entre dentes
Contempla o céu azul
Sem nuvens, sem nada
Não se apercebendo
Do redemoinho que se desmanchou
Nem quando a poeira assentou
Ao redor de sua sombra
Projetada na lagoa ressecada
João Neto

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Crônica (Sinais, sinais)

- Ouça...
- Não estou ouvindo nada.
- Isso mesmo. Silêncio.
- ...
- ...
- E não é? Silêncio demais.
- Olhe para o céu.
- ...
- Sente falta de algo?
- Lógico. Nuvens, pássaros.
- Até o vento está quieto.
- Está mesmo.
- Sei não, sei não.
- Sentiu?
- O chão está tremendo...
- Está.
Sinais, sinais.

 João Neto

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Poesia (Negação)

Mil ações
Como lisos pedriscos espalhados
Ao longo da solitária estrada
Por árvores frondosas sombreada

Cem perdões
Como pássaros raros empalhados
Decorando paredes da sala repaginada
Da casa por ninguém visitada

Dez sermões
Como peixes afogados
Pela água da lagoa represada
Da cidade vazia sitiada

Uma negação
Nos gestos ensaiados
De quem não espera mais nada
Além da hora súbita programada
João Neto

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Crônica (Um sujeito sentado de pernas cruzadas no meio da praça)

O que segue aparentemente não são conselhos, nem pensamentos, nem considerações, nem alertas. São devaneios de um sujeito sentado de pernas cruzadas no meio da praça daquela pequena e bucólica cidade interiorana, em plena terça-feira, horário de pico, enquanto pessoas passam apressadas sem sequer notarem sua presença, muito menos que traz uma megafone numa das mãos.
Moço.
Não seja lobo em pele de cordeiro, nem tampouco cordeiro que se desgarrou do rebanho encantado pela claridade da lua.
Não se vanglorie como amante de mulheres a cata de fagulhas para iluminar sua solidão, muito menos como apaixonado que em noite de neblina faz serenata à amada debaixo da janela fechada.
Não se faça de explorador de trilha em floresta fechada se desconhece onde está exatamente o inicio e o fim da fiada.
Não seja rufião de sua vontade.
Moça.
Não seja tola em se considerar a mais transgressora dentre tantas pelo fato de, depois de pintar cada unha numa cor diferente, continuar sentada no sofá em frente à televisão ligada no filme de terror em pleno sábado de balada.
Não seja rancorosa apenas pelo contraditório fato de nunca ter sido a primeira, antes seja precavida e tire a pedra 75 da cumbuca do bingo.
Não traje vestido apertadíssimo tua cintura não sendo fina e nem pinte os lábios de vermelho com batom barato, traga sim em si o mistério da pétala da flor trazida de longe pelo vento, que descansa no teu colo no primeiro dia de primavera enquanto balança adormecida na rede armada na varanda de tua casa.
Não seja rufiona de sua vontade.
Moça e moça.
Tenham descaramento. Caminhem pelo prazer de estar na companhia de sua amada, de seu amado, caminhem de mãos dadas pelas calçadas das ruas centrais de sua pequena e bucólica cidade interiorana, não importa se vilarejo ou megalópole.
Tenham descaramento. Joguem “amarelinha” com seus familiares no quintal de sua casa, não importa se casebre, mansão ou apartamento.
Tenham descaramento. Dancem de olhos fechados ao som da música mais romântica que um dia foi composta, deixando que a melodia toque teu espírito, não importa se estejam só ou dançando com a pessoa mais querida.
Tenham descaramento. Façam cócegas na sola dos pés de sua amada, de seu amado, de sua mãe, de seu pai, de suas irmãs, de seus irmãos, de seus filhos, de suas filhas,  façam guerra de travesseiros onde a única vencedora sempre será a união entre todos, não importa se lá fora estejam estranhando tuas ausências.
Tenham descaramento. Brinquem de esconde-esconde pelos compartimentos da casa, corrida de ovo cozido ao redor da casa. Brinquem, deem muitas, muitas risadas, não importa se os vizinhos reclamem do barulho.
Tenham descaramento. Churrasqueiem ao menos uma vez na vida em plena segunda-feira à tarde na companhia de seus familiares, amigos e amigas, não importa se o patrão descontará teu dia.
Não sejam carcereiros de suas alegrias. Não se enclausurem no medo de ser feliz.
Então o desconhecido se põe em pé, ajeita a alça do megafone no ombro direito, caminha na direção do carrinho de caldo de cana, pede um copo incrementado com abacaxi, sendo servido, bebendo num só gole, pagando com uma novíssima nota de R$ 2,00, indo embora, desaparecendo na esquina de cima.

Zé da Truta, “filosófo” e emérito beberrão, que a tudo assistia murmura pra si mesmo, “Taí um sujeito porreta”, sendo flagrado pela caixa do mercadinho centenário. Quem imaginaria, quem imaginaria.
João Neto

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Crônica (Quem diria! Ainda existem muitos "macacos sábios" por aí)



Não é mais lícito nos fazermos de cegos, surdos e mudos.
Olhos abertos, porque está acontecendo tão perto de nós, na ponta de nosso nariz, que fica inevitável não se ver os desmandos, os acordos de bastidores que se expõem e seus partícipes esfregando os olhos surpreendidos pela luz do dia e retornando presunçosos à penumbra de uma ampla sala, presumindo nos terem deixado a mercê das consequências desses desmandos e dos resultados desses acordos espúrios.
Ouvidos atentos, porque o grito se torna cada vez mais lacerante vindo das ruas por onde transitamos todos os dias indo para nosso trabalho, ou escola, ou para nossas compras, nosso lazer, nosso divertimento, e quando de retorno aos nossos lares. Ele está e se espalha por todos os cantos, em todas as esquinas, em todas as alcovas, em todas as conversas, em todos os murmúrios. Ele está no silêncio que certas castas querem nos impor, na ignorância cultural que querem nos impingir.
Que nossa voz se faça imperativa, suave, amigável, reivindicativa, soberana, calma, serena. Voz de quem sabe o que quer.
Não ouçamos o mal, não vejamos o mal, não falemos o mal.
Ouçamos tudo que se fala para identificarmos o que é do mal e o que é do bem.
Contemplemos até onde nossos olhos alcancem para separarmos o que é do mal e o que é do bem.
Falemos o que nossa razão nos dite para que o mal se afaste e o bem nos circunde.
Vivamos nos limites de nossa liberdade, façamos parte dos “macacos sábios” que ainda existem por aí, caminhemos dignamente por esse mundão de Deus e pelo tempo que nos cabe.
Simples assim.
João Neto