terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Crônica (Verear, veraneio)



Estão eles a verear acaloradamente sobre assunto de suma importância para o cidadão, nada mais nada menos que a serventia da iluminação muito forte no teto da proeminente casa de leis, quando um pequenino levanta na última fileira do belíssimo e amplo plenário do moderníssimo prédio, e mesmo não havendo mais ninguém além dele, ergue o braço esquerdo para chamar trazer atenção à sua pessoa, e humildemente pergunta.

- E nós, pequeninos, somos iluminados como Vossas Senhorias?

Surpreendido pela interferência, o presidente olha para o 1º secretário que olha para o 2º secretário que olha para o colega ao lado que olha para o colega ao lado que olha para a colega ao lado que olha para o colega de frente que olha para o colega ao lado que olha para o colega ao lado que olha para a funcionária mais graduada da repartição que olha para o presidente.

Diante do silêncio resta ao pequenino deixar o plenário, permanecendo alguns minutos no saguão para saborear o suco de uva de cartão da garrafa térmica que serve no menor dos menores copinhos de plástico, aqueles próprios para café, indo embora lépido e faceiro, pois em casa está Mariana vestida com sua transparente camisola.

No palco decide-se se a discussão sobre a serventia da luz muito forte no teto do prédio deva ser transferida para a primeira sessão ordinária, pois aquela interferência inoportuna desvirtuou a concentração dos senhores edis.

Corte rápido.

“Quem é o atrevido?”, o presidente pergunta baixinho para o 1º secretário que pergunta baixinho para o 2º secretário que pergunta  baixinho para o colega ao lado que pergunta baixinho para o colega ao lado que pergunta baixinho para a colega ao lado que sinaliza para o colega de frente que  pergunta para o colega ao lado que pergunta para o colega ao lado que pergunta para a funcionária mais graduada da repartição que cochicha para o presidente “safado o pequenino”.

Corte rápido.

O vigia gordinho e operante sobe a escada de 100 degraus com dificuldade, carregando no ombro o pano seco e a flanela.

E todo esfuziante, lá em cima do chão distante, lustra a luz imponente que ilumina o suntuoso ambiente.
 
(João Neto)

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário