quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Conto (Devaneio matinal de Mané Pequeno)

- É mais ou menos assim... nem tá ruim, nem tá bom, mas também não tá lá essas coisas, mas até pode melhorar, claro, se nada acontecer que contrarie essa minha previsão.
Mané Pequeno escuta por simbiose seu vizinho e amigo de longa data, quarenta e cinco anos ou mais, os dois sentados no surrado banquinho de madeira estrategicamente colocado na calçada junto ao muro de sua casa, defronte a rua principal da vila periférica e populosa onde moram há mais de vinte e dois anos.
Manhã de quinta-feira. Apesar das nuvens se acinzentando, o dia está claro, surgindo nos espaços entre elas o azul do céu e o sol envergonhado que ilumina aquela pequena e bucólica cidade interiorana.
- Pois é como eu digo sempre. Se quarenta vezes fosse tentado, quarenta vezes impediriam. E essa balbúrdia toda é que leva a esse caos.
Mané Pequeno observa a moradora da última casa da rua que se aproxima. Toda manhã é  colírio aos seus olhos míopes e sua visão cansada.
- O que aconteceu na segunda-feira é o início do fim...
Mané Pequeno se prepara para o cumprimento esperado ansiosamente todos os dias, desde sempre.
- Bom dia – a voz sensual da mulher de olhos castanhos esverdeados e pele morena e longos cabelos negros chega os seus ouvidos como melodia suave.
- ... e eles pensam que somos trouxas, imbecis...
Mané Pequeno segue com o olhar a mulher de corpo perfeito se afastando naquele caminhar que realça ainda mais sua beleza.
- ... mas ninguém perde por esperar, quem viver até lá verá e os mortos se coçarão no caixão por perder tamanho acontecimento...
Mané Pequeno dá vazão aos seus devaneios e, enquanto ela se distancia, imagens psicodélicas permeiam seu pensamento e espalham-se pelo ambiente. O futuro caminhando de mãos dadas com tão bela mulher, enquanto o passado se perde pelo caminho e o presente se aninha em árvores sem folhas e de galhos secos. Ele não se esquiva de sonhar.
- ... não se deve semelhar em terreno alheio e nem vender o fruto que não plantou, e o pior, muito menos em querer o bolo sem dividir com todos...
Mané Pequeno sonha de olhos abertos, deixando ecoar em seus ouvidos a maviosa  voz dizendo “bom dia”.
- ... só porque agora todos sabem quem é quem e quem não é quem e quem poderá ser quem e quem pensa que é quem não significa que agora um ou outro são “os caras”, “os tais”. Humildade é bom e conserva. Claro, se o pote for aberto depois da data de vencimento, aí de nada adianta ter conservado.
Mané Pequeno retorna de seus devaneios e olha a realidade à sua volta, exclamando de chofre.
- Estonteante...
Seu amigo o encara meio ressabiado, e continua na ladainha.
- Posso estar enganado nessa minha previsão, mas se eles pensam que somos imbecis, que fiquem pensando.
Mané Pequeno suspira.
João Neto

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