Distinto
cavalheiro, tua abordagem à minha pessoa quando eu caminhava pela calçada do
outro lado da rua daquela casa com gente saindo pelo ladrão e vossa portentosa
pessoa se encontrava no centro dela, rei diante daqueles vassalos inertes à sua
magnificência, foi deveras pomposa.
“E
aí, está a distribuir sabedoria popular por essa rua?”, seu vozeirão delicado
se dirigida à minha pessoa demonstrando alegria inconteste por nosso esbarrão
tão inesperado, isso sem menção ao teu punho fechado relando a ponta do meu
nariz e o esmagar do coitado do meu calo de estimação – gesto que deveras me
impressionou pela sutileza do pisão – que quedei e calei-me.
Não
permaneça irritado só porque eu disse abruptamente num tom além do necessário
para ocasião tão solene, “olha só, criou
coragem agora, mesmo vinte minutos atrás demonstrar interesse leitoral às
escondidas em minha sabedoria.”, pois tais palavras saíram instintivas,
instinto que poucas vezes controlei.
Admiro
muito vossa pessoa.
Se
não deixei perceber tal admiração, perdão. Confesso que me peguei no enlevo de
sua benevolência e sua concentração extraordinária quando se achava ao lado do
padre na celebração dominical vespertina. Mais que concentração, compenetração.
Mas que compenetração, devoção. Aquela vestimenta preta em contraste com teu
rosto avermelhado ressaltava ainda mais tuas humildade e fé.
E
olha que minha presença ali se dava após uma década de ausência.
Essa
mesma admiração se fez presente horas depois daquele mesmo dia de sol, quando
eu caminhava pela avenida principal de nossa pequena e bucólica cidade
interiorana e aquele carro caríssimo ultrapassa o sinal vermelho e no volante vossa
pessoa saboreando uma bebida refrescante, pois está na viva em minha memória a
inscrição “cerveja” que li na lata vermelha, mesmo de relance pela velocidade
do possante.
E
alguém tão religioso não estaria se embebendo de outra bebida que não fosse
vinho, não é, distinto cavalheiro?
Sujeito
mais errado que este que vos fala tenho comigo e tenha contigo que não há. Tudo
bem. Rendo-me à pecha.
Creio
que quando estiver eu em frente ao nosso Pai, a conversa se dará entre mim e
Ele, como acontecerá a tua, certamente confessarei todos meus pecados – nem que
leve um tempão, até porque Ele é Eterno e estarei pertinho, pertinho dele,
olhos nos olhos. Porém, desconfio que não demore tanto assim, pois levarei
comigo meu “anote e busque”, onde precavidamente terei arquivado meus pecados pela
ordem dos dez mandamentos e abrirei com satisfação a tela para que Ele faça a
leitura, mesmo eu desconfiando que Ele saiba tim-tim por tim-tim do que escrevi
ali. Sabedoria, distinto cavalheiro, sabedoria.
Tendo
como atestado tua conduta por demais de ilibada teu tempo não atingirá um giro
completo dos ponteiros do relógio. Nada mais justo, nada mais justo. E nem
precisará do “anote e busque”. Afinal, dois ou três pecadilhos não merecem
tanta parafernália, não é?
Pra
cada pecador como eu alguém propenso à santidade como vossa pessoa, é o
combinado entre o destino e a imensidão.
Afinal,
de que assunto tratávamos mesmo?
Ah,
é. Do nosso encontro na rua.
Esquenta
não, se nem o capitão se preocupou com isso, este miserável muito menos, até
porque meu calo está acostumado a ser esmagado.
E relembro, até com certa humildade disfarçada, e agora?
João Neto
Nenhum comentário:
Postar um comentário