terça-feira, 23 de abril de 2013

Crônica (O casal, o choro, o santo e a revista de fofocas)


Por algum motivo o bom homem resolve se aprimorar no choro na manhã modorrenta da pequena e bucólica cidade interiorana. Funcionário público juramentado, preguiçoso por opção, está ele sentado no sofá da sala da casa de cinco cômodos tirando sons plangentes de seu cavaquinho, confidente de todas as horas.
Ao seu lado, a companheira inseparável folheia alguma revista de fofoca, apreciando a melodia.
Na estante, a figura de São Jorge vela pela tranquilidade do casal enquanto o som vindo da rua invade a sala. Latidos dos cães e mais nada.
- Quem diria, não é? – puxa assunto a mulher de bobes na cabeça.
O homem, sem interromper a música, resmunga alguma coisa.
- Exatamente – a mulher de bobes na cabeça concorda com a argumentação do bom homem dedilhando as cordas do cavaquinho.
A melodia chorosa se confunde com os latidos caninos.
- Mas apesar de tudo, tudo acabará bem. Como sempre diz Zé da Truta, nosso amigo “filosófo”, “há males que são pra males, há bens que são pra bens” – filosofa a mulher de bobes na cabeça.
O funcionário público municipal interrompe o dedilhar nas cordas do instrumento musical.
- Eu sei, eu sei – se apressa em dizer sua companheira inseparável – mas, quer queiramos, quer não queiramos, não somos os responsáveis por esse caos. Foram eles, eles... e se foram eles, eles que se explodam, ou melhor, que se virem. Afinal, quem põe comida em nossa mesa somos nós.
O bom homem volta a tirar notas chorosas de seu confidente.
- Meu velho, quer saber? Vamos à luta.
Num pé lá, outro cá, nove minutos depois está ela de jeans, camiseta, tênis, cabelos escovados, batom lábios, rímel nos cílios,  e da pequena cozinha da casa financiada, chama pelo amásio. Recorde.
- Meu velho, o café está pronto.
Nove minutos depois estão caminhando lado a lado pela calçada da rua pavimentada da vila periférica onde residem e os pássaros são mais que meros distribuidores de caca nas vestimentas e cabeça dos moradores.
Ao cruzarem pelo pequeno, abandonado e esquecido jardim, observam os restos deixados pelos frequentadores notívagos. Balançam a cabeça negativamente.
- Meu velho, quando vejo essas seringas e camisinhas usadas agradeço por não termos filhos.
O bom homem, funcionário público juramentado, preguiçoso por opção, resmunga em concordância com a companheira inseparável, funcionária como ele, mas com jeitão daquelas velhas matronas de antigamente.
João Neto