- Boa pescaria, não achou?
- Ô! – a resposta é curta, mas entusiasmada.
Os dois pescadores estão de retorno pra casa. O restante da viagem de
doze quilômetros é em silêncio.
Terminando a parte de terra da estrada, adentram o trecho asfaltado, não mais
que dois quilômetros. O pescador buzina para o porteiro do condomínio luxuoso,
que acena em resposta.
“Amanhã. Amanhã é o grande dia.” – está pensando seu companheiro.
As primeiras casas da vila mais periférica da pequena e bucólica cidade
interiorana surgem lá no final do declive da estrada. O pescador diminui a
velocidade.
“Amanhã. Amanhã é o grande dia.” – continua pensando seu companheiro.
Corte rápido.
- Os governantes saíram do meio do povo e para o meio do povo retornarão.
Quando cumprirem sua etapa, vestirão novamente suas vestes antigas. É
irreversível. Não mais trajarão a roupa dourada do poder.
- Bonito isso, Zé da Truta.
- Os governados sabem que a
servidão e o puxa-saquismo não garantem o trabalho, apesar de muitas vezes
obter o emprego, e apenas agradam aqueles que gozam das benesses do poder
enquanto lhes convir. Todo cidadão deveria cumprir seu papel na sociedade
consciente da possibilidade de suas aptidões, do alcance de suas ambições e da
amplitude de seus defeitos. O limite de cada um é demarcado pela perfeita
junção dessas três constantes.
- Bonito isso, Zé da Truta.
- Nem sempre o discurso daqueles que fazem do púlpito palanque tem o
alcance que a vaidade lhes faz supor e nem sempre o discurso daqueles que fazem
do palanque púlpito chegam aos ouvidos daqueles que querem ouvir. As palavras
escritas ou faladas energizam o ambiente. Se negativas, o ambiente se
deteriora. Se positivas, o ambiente se rejuvenesce.
- Bonito isso, Zé da Truta.
- Mais uma cerveja, Leda. Litrão.
- Agora ficou bonito de vez, Zé da Truta.
Zé da Truta, o “filosófo” (os amigos mais chegados o consideram) está
sentado num banquinho, na calçada em frente à padaria localizada na região
central da pequena e bucólica cidade interiorana.
Seu companheiro de bebedeira, por alcunha Zé Chulé (assim chamado por
motivos óbvios) não entendera bulhufas do palavreado que acabara de ouvir, até
porque o que lhe interessa é a “loira gelada” que enche seu copo, com
colarinho.
Zé da Truta, enquanto bebe lentamente o líquido amarelo de seu verde
caneco com emblema do time de seu coração, observa o movimento de pessoas e
veículos.
- Poderia repetir tudo o que disse agorinha, agorinha, Zé da Truta? – Zé
Chulé pede ao ”filosófo” por pedir, mais para agradá-lo a fim de que mande Leda
trazer mais cerveja e, se possível, uma farta porção de queijo com presunto.
Em sua ânsia em adular, não percebe que Zé da Truta está introspectivo,
absorto ou algo assim.
“O que foi que eu disse mesmo?” é o pensamento que toma conta de sua
cachola enquanto o líquido gelado desce gostosamente garganta abaixo e seus
olhos alcançam a praça da matriz onde pessoas começam a se aglomerar.
(João Neto)