quarta-feira, 3 de abril de 2013

Crônica (Os pescadores, texto III)


- Boa pescaria, não achou?
- Ô! – a resposta é curta, mas entusiasmada.
Os dois pescadores estão de retorno pra casa. O restante da viagem de doze quilômetros é em silêncio.
Terminando a parte de terra da estrada, adentram o trecho asfaltado, não mais que dois quilômetros. O pescador buzina para o porteiro do condomínio luxuoso, que acena em resposta.
“Amanhã. Amanhã é o grande dia.” – está pensando seu companheiro.
As primeiras casas da vila mais periférica da pequena e bucólica cidade interiorana surgem lá no final do declive da estrada. O pescador diminui a velocidade.
“Amanhã. Amanhã é o grande dia.” – continua pensando seu companheiro.
Corte rápido.
- Os governantes saíram do meio do povo e para o meio do povo retornarão. Quando cumprirem sua etapa, vestirão novamente suas vestes antigas. É irreversível. Não mais trajarão a roupa dourada do poder.
- Bonito isso, Zé da Truta.
 - Os governados sabem que a servidão e o puxa-saquismo não garantem o trabalho, apesar de muitas vezes obter o emprego, e apenas agradam aqueles que gozam das benesses do poder enquanto lhes convir. Todo cidadão deveria cumprir seu papel na sociedade consciente da possibilidade de suas aptidões, do alcance de suas ambições e da amplitude de seus defeitos. O limite de cada um é demarcado pela perfeita junção dessas três constantes.
- Bonito isso, Zé da Truta.
- Nem sempre o discurso daqueles que fazem do púlpito palanque tem o alcance que a vaidade lhes faz supor e nem sempre o discurso daqueles que fazem do palanque púlpito chegam aos ouvidos daqueles que querem ouvir. As palavras escritas ou faladas energizam o ambiente. Se negativas, o ambiente se deteriora. Se positivas, o ambiente se rejuvenesce.
- Bonito isso, Zé da Truta.
- Mais uma cerveja, Leda. Litrão.
- Agora ficou bonito de vez, Zé da Truta.
Zé da Truta, o “filosófo” (os amigos mais chegados o consideram) está sentado num banquinho, na calçada em frente à padaria localizada na região central da pequena e bucólica cidade interiorana.
Seu companheiro de bebedeira, por alcunha Zé Chulé (assim chamado por motivos óbvios) não entendera bulhufas do palavreado que acabara de ouvir, até porque o que lhe interessa é a “loira gelada” que enche seu copo, com colarinho.
Zé da Truta, enquanto bebe lentamente o líquido amarelo de seu verde caneco com emblema do time de seu coração, observa o movimento de pessoas e veículos.
- Poderia repetir tudo o que disse agorinha, agorinha, Zé da Truta? – Zé Chulé pede ao ”filosófo” por pedir, mais para agradá-lo a fim de que mande Leda trazer mais cerveja e, se possível, uma farta porção de queijo com presunto.
Em sua ânsia em adular, não percebe que Zé da Truta está introspectivo, absorto ou algo assim.
“O que foi que eu disse mesmo?” é o pensamento que toma conta de sua cachola enquanto o líquido gelado desce gostosamente garganta abaixo e seus olhos alcançam a praça da matriz onde pessoas começam a se aglomerar.

(João Neto)