quinta-feira, 7 de março de 2013

Crônica (Assim acontece...)


“Estou a dois passos do paraíso
Não sei se vou voltar
Estou a dois passos do paraíso,
Talvez eu fique, eu fique por lá”
A música da Blitz tocada distante chega aos ouvidos do moço sentado no banco da pequena praça do bairro residencial de classe média da pequena e bucólica cidade, protegido do sol do meio-dia pela sombra de uma de suas árvores, enquanto contempla o prédio branco à sua frente.
Um jovem aguarda em pé cerca dois metros do banco, olhos fixos na rua, sentido contrário, quando vê a adolescente caminhando em sua direção, trazendo no ombro uma mochila escolar.
- Oi – ela cumprimenta brejeiramente, recebendo um leve beijo.
Abraçados pela cintura, iniciam a travessia da praça.
No exato momento que passam pelo banco onde está o moço, acontece.
- Pega, pega – a gritaria vem do outro lado, frente do prédio branco.
Pelo corredor lateral do prédio, surge o guri perseguido por um homem fardado e outro baixinho, os dois gordinhos. E correm na direção deles.
Tudo é muito rápido.
O guri, desviando do casal, dá de topo com o moço, que, diante da gritaria, está em pé, e o encontrão é inevitável. O casal pra não ser atropelado pelo guri pendera de um lado, desequilibrando-se, ficando na linha de corrida dos gordinhos, que não conseguem frear, acontecendo o encontrão, todos caindo pra frente, por cima do guri e do moço, que, então, estão estatelados no chão.
Corte rápido.
Entre “mortos e feridos”, salvaram-se todos.
Ah, mas não termina aí.
Com o guri não foi encontrado o “telefone divino”, utilizado por determinada pessoa para contatos de terceiro grau com o Céu, e motivo pelo qual estava sendo perseguido.
O baixinho gordinho explicou que ajudou na perseguição por inércia, ou seja, alguém passando correndo por ele ligou seu automático.
O gordinho fardado salientou que apenas obedeceu ao comando superior para deter a escapada do guri, a quem não conhecia até aquele momento.
O casal de namorados acabou descoberto pelo pai autoritário da adolescente e teriam que namorar ainda mais às escondidas dali em diante.
O solitário moço que apenas fazia a sesta do almoço foi o urubuzado.
Primeiro, de nada adiantou argumentar ser um simples viajante.  Segundo, não conseguiu explicar o “telefone divino” dentro da maleta que, segundo afirmara pouco antes, trazia seu notebook. Terceiro, nem o mais crédulo dos ouvintes acreditou quando acusou o guri de causador de toda aquela confusão e de ter se apoderado do notebook.
As pessoas presentes na minúscula sala do subsolo do prédio branco só viam a auréola sobre a cabeça do guri que aguardava na sala mais espaçosa do prédio.
“Estou a dois passos do paraíso
Não sei porque eu fui dizer bye bye” 
Quando a voz de Evandro Mesquita entrou pela entrada de ar rente ao piso da alameda, o viajante enlouqueceu.
O que se comenta nas rodinhas de todas as tardes na praça da matriz é que funcionários foram surpreendidos estonteados e esparramados pelo chão do disfarçado arcabouço, menos o viajante que, assim como o guri, nunca mais foi visto.
E, duplo azar, sumiu de vez o “telefone divino” e um notebook foi encontrado pela faxineira na lixeira do gabinete principal.
E o sumiço do “telefone divino” causou escândalo de tal proporção que originou uma crise entre os poderes constituídos que perdura desde sempre.
Ademais, existem rumores não confirmados de que o viajante adotou o guri e ganham muito dinheiro com consultas esotéricas na capital do Pará.

(João Neto)

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