segunda-feira, 18 de março de 2013

Crônica (Feito Estátua)


Aos poucos os curiosos rodeiam o indivíduo magro feito estátua bem no meio da praça, sua identidade inviolável pelo traje com as cores da bandeira que o cobre da cabeça aos pés. Algumas pessoas a caminho do trabalho ou em outro afazer, ao passar dão uma olhadela e continuam seu trajeto.
Segunda-feira. Entre oito e nove horas.
Se alguém contasse, a roda contaria com cerca de vinte pessoas, talvez mais, talvez menos. Mas ninguém está a fim de contar.
A semana de trabalho está começando na pequena e bucólica cidade interiorana.
E o indivíduo magro feito estátua paradinho, paradinho.
O misto de jardineiro e vigia corre para o paço municipal.
A balconista bonitinha fotografa com seu telefone celular, enviando via Facebook para as amigas.
O cambista do jogo de bicho cumprimenta com um aceno os policiais que estacionam a viatura defronte a agência bancária, ficando a observar o movimento do interior do veículo.
E o indivíduo magro feito estátua paradinho, paradinho.
Ninguém ousa se aproximar.
Até porque fixado nas quatro caixas empilhadas, seu pedestal, um cartaz feito de cartolinas na cor branca com os dizeres “O tempo está chegando, sorrateiros se cuidem, quem viver verá", em letras garrafais multicoloridas.
Um guri, a pedido da mãe, que está na roda, corre em direção da viatura, mas volta mais rápido ainda, com cara de assustado, se agarrando na perna da mãe.
O misto de jardineiro e vigia surge na porta do paço municipal, trazendo nas mãos dois copinhos de plástico com café quentinho, caminhando sossegada até a praça,  se juntando ao cambista que está encostado na parede do palco,  passando-lhe um dos copos.
De repente, não mais que de repente, o céu que está claro é coberto de nuvens cinzentas, começando a chuviscar, segundos depois se transformando num temporal.
As pessoas correm, se dispersando, a viatura policial deixa o local, restando na praça o indivíduo feito estátua e o jardineiro misto de vigia protegido comodamente no quartinho existente no palco.
Quanto ele resolve chamar o individuo magro feito estátua pra se proteger do temporal, cadê o pedestal, cadê o cartaz, cadê o maluco?
Corte rápido.
- Foi assim que ele me contou ter feito “a experiência”, compadre.
Godofredo olha para Hermenegildo. Os dois compadres estão na sorveteria ao lado da praça saboreando sorvete de groselha na taça.
- E por que “Zé de Truta” faria uma experiência dessas debaixo daquela chuvarada que caiu hoje de manhã?
Hermenegildo, levando uma colherada à boca, fica a pensar enquanto degusta o delicioso sorvete. Então responde.
- Sei lá.

 (João Neto)