quarta-feira, 20 de março de 2013

Crônica (Foi só um susto, gente)


- Pique no lugar – a orientação da esposa ao esposo é imperativa.
E o esposo, que de bobo não tem nada, só ali, movimentando as pernas como se estivesse num tiro de cem metros, final de olímpiadas no Brasil e ele o único brasileiro entre os oito finalistas.
Na realidade estão em uma área de lazer da pequena e bucólica cidade interiorana.
Poucos metros adiante aparelhos de exercícios físicos ao ar livre para idosos. O esposo tem consciência que seu destino é completar o circuito com sua esposa caçoando o tempo todo dele. Molenga.
Ela, cinquenta anos, faz daqueles exercícios brincadeiras juvenis.
Ele, cinquenta e cinco anos, faz daqueles exercícios sessões de tortura.
- Vamos, vamos, mais duas voltas.
Duas voltas?
O esposo se prepara para duzentos metros de corrida. Lenta, mas corrida.
“O importante é que mais tarde recompensarei esse sacrifício todo com aquela cerveja que está me esperando na geladeira” – pensa o esposo. Baixinho, porque de repente ela pode ouvir seu pensamento, mesmo estando uns dez metros a sua frente e o chamando para alcança-la. “Dio mio, Dio mio”.
Aliás, ele nunca entendeu o motivo dela determinar que aqueles exercícios acontecessem diariamente, sempre às seis horas, com frio, com chuva, esteja calor – naquele horário, dificilmente faz calor. Aliás, comprova quase todos os dias pessoalmente essa evidência meteorológica.
Tudo bem. O esposo sabe que tudo é por amor. Como diz seu chefe na repartição, “A morfética...”. Brincadeira. Apropriado, aliás. Morfeu, deus dos sonhos, filho da noite e do sono. Sono, doce sono.
- Não para, espertinho, ainda restam os exercícios – a voz que diz “Te amo” com tanto carinho é tão cruel nesse momento.
E por que a esposa teima, insiste mesmo, que o esposo perca 70 de seus cento e quarenta quilos? Só por que ela pesa 50? Foram longos anos de labuta, comilança e “bebança” (pra rimar) até adquirir aqueles quilos a mais, que fique aqui esclarecido. E, essa é razão de não querer perde-los. Acostumou-se em carrega-los para cima e pra baixo.
Corte rápido.
A ambulância se aproxima em velocidade, parando na porta da emergência da Santa Casa, onde já está de prontidão a equipe médica.
- Princípio de infarto – comunica o motorista.
Quando a porta traseira é aberta... Epa! Cento e quarenta quilos e um sorriso desenxabido nos lábios.
- Foi só um susto, gente – a aliviada esposa esclarece, preocupada que descubram, inevitável, que seu esposo baqueou, estatelou-se ao chão de cansaço.
E quem o ergueria?

(João Neto)